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Rui Nabeiro e João Garcia dão conselhos para conseguir "chegar ao topo"

4 dezembro 2009 10:21

"Sonhar e ter ambição" é a principal condição para se chegar ao cimo, seja de uma escalada, seja de um negócio, seja de qualquer outro projecto. O empresário e o alpinista fizeram uma parceria improvável para explicar como se vencem os Everestes da vida. Clique para visitar o canal Life & Style.

4 dezembro 2009 10:21

Hora marcada, comparecem no sétimo andar do Sheraton, em Lisboa. Rui Nabeiro, o patrão da Delta, chega primeiro, na companhia da mulher e do motorista. O alpinista João Garcia vem pouco depois. Habituado a escalar as montanhas mais altas do mundo, não dispensou também o elevador. Cumprimentam-se com um abraço junto à janela, que oferece uma fantástica vista panorâmica sobre a cidade e o rio Tejo. Parecem amigos de longa data, mas esta é apenas a segunda vez que se encontram. A primeira foi no lançamento desta aventura concretizada com o título "10 Passos para Chegar ao Topo - Todo o Empreendedor Tem o Seu Evereste", que chegou na semana passada às livrarias portuguesas com a chancela da editora Caderno. Em entrevista à "Revista Única", o empresário da planície alentejana e o português que mais perto anda do céu com os pés na Terra, falaram do que os une, da admiração mútua do que é preciso para escalar com sucesso as montanhas da vida.

Como é que duas pessoas de dois mundos tão distintos se juntam para escrever um livro? João Garcia (J.G.) - Foi o José Prata da editora Caderno que lançou o desafio. Ele sabia que eu fazia acções de motivação para empresas e que tinha uma série de argumentos que podiam ser colocados por escrito. Como o livro seria destinado a empreendedores, pensou-se que seria interessante ter também o ponto de vista de um empreendedor. Quando se falou no Sr. Comendador, não hesitei. É uma pessoa que admiro e temos algumas coisas em comum.

Rui Nabeiro (R.N.) - Não tinha qualquer ligação ao João, mas tinha uma profunda admiração pelas suas façanhas. É uma pessoa lutadora como eu. Isso levou-me a acarinhar a ideia.

Que outras coisas têm em comum? J.G. - Para começar, tenho uma costela de Montemor-o-Novo. A minha mãe também é alentejana. Depois, temos ambos objectivos precisos e lutamos bastante para os atingir. Somos ambiciosos. Em nove dos dez passos para o sucesso do livro os nossos pontos de vista coincidem.

E onde é que diferem? J.G. - Sou apologista que, numa expedição, tenho que aligeirar a minha logística e este senhor ao meu lado tem a sua visão, muito humanista, que o valor está nas pessoas, que o capital humano é o seu melhor activo. Eu na minha mochila corto o cabo da escova de dentes para perder dez gramas. Tudo o que é peso tem que ser considerado. Aligeirar a minha estrutura é muito importante. Mas tenho consciência que sem as pessoas que me ajudam, sem o trabalho de equipa, não sou nada. Mesmo aquelas pessoas que me abordam na rua para me agradecer não percebem que sou eu que lhes devia agradecer, porque me carregam as baterias. Fazem-me perceber que nós, os escaladores, não somos mais os conquistadores do inútil, como nos chamavam no passado. Há um sentido no que fazemos.

Algo que vos une é a luta contra as adversidades. Como o João, também teve os seus Everestes. R.N. - Sem dúvida. Nasci no interior do Alentejo, onde, para vencer, é preciso fazer todos os sacrifícios. Sentíamos muitas dificuldades, a fronteira com Espanha era uma barreira, que não tínhamos que escalar, mas ultrapassar.

J.G. - Há 50 anos, o Alentejo era uma região muito difícil de se viver. Este senhor tem um pouco mais de mérito por ter conseguido o que conseguiu em condições adversas. Tenho um amigo suíço que me diz: "Ó João, eu admiro-te não pelo alpinista que és, mas por vires de onde vens. Em Portugal não há montanhas. Tu para ires às montanhas a sério tens que fazer 24 horas a conduzir." Para ir a Chamonix a capital mundial do alpinismo, em França tenho que conduzir durante 2400 quilómetros.

E coragem? J.G. - A coragem arranja-se. As pessoas pensam que somos destemidos. Felizmente, temos medo. É graças a esse medo que conseguimos calibrar o bom senso para tomar as decisões acertadas. A montanha é implacável. Sei bem quão perigosa a montanha pode ser. Tenho-lhe imenso respeito e tento manter-me humilde. Quando as pessoas se tornam arrogantes, entram em excesso de confiança e espalham-se. Os maluquinhos morrem em três tempos. Não sou uma pessoa corajosa.

A difícil experiência de 1999 mudou a sua forma de encarar as coisas? J.G. - Mudou porque foi o princípio de uma série de problemas. Foi a primeira vez que consegui levar a bandeira portuguesa o mais próximo possível do céu que se pode estar pisando a terra, mas foi a pior expedição e a pior experiência da minha vida. Não era suposto o meu companheiro e amigo ter morrido. E, contudo, foi aquela a que os media deram mais cobertura. É injusto, mas tive que aprender a viver com isso. Tinha visibilidade mas era uma visibilidade com uma conotação negativa. Eu era o fulano que tinha feito asneira. Demorei três anos a ganhar credibilidade, mas consegui inverter essa imagem e tornar-me num veículo publicitário credível. O Evereste foi o princípio de muitos problemas, mas digo-o com todo o gosto: se a vida não tivesse problemas, era uma chatice.

O João Garcia é uma marca? J.G. - Não. Tenho é uma imagem de marca: não podia vir aqui sem barba! (risos)

E para ser um bom empreendedor, o que é necessário? R.N. - É preciso sonhar e ter ambição. É preciso não deixar para amanhã o que podemos fazer hoje. E é preciso aprender. Aprender não é acompanhar o caminho dos outros, é fazer diferente, mas sem esquecer que há um caminho que já está aberto e que pode ser útil. Quando entrei no mercado do café e ele estava saturado, decidi apostar num produto diferente a cevada e sucedâneos do café, muito popular no Norte e no Centro, mas que quase não se vendia a Sul. Agarrei essa oportunidade e cheguei quase à liderança. Fi-lo dando condições que naquela altura ninguém pensava: levando o produto à porta das pessoas e dando crédito. Isso permitiu-me sonhar com outras coisas.

E se o João Garcia o convidasse para subir uma montanha? R.N. - Com a minha idade já não subia muito alto, mas era capaz de ir. Sou teimoso. E se disso dependesse o bem-estar da minha empresa, ia até ao sítio mais alto. Agora, sujeitava-me a vir por ali abaixo (risos).

A quem é que se destina este livro? J.G. - A todas as pessoas. Este não é um manual de estudo. É um livro de experiências, que traz credibilidade ao mesmo tempo que conta histórias. Tive, por exemplo, a oportunidade de contar as minhas histórias mais recentes.

No caso do João, esta experiência não é nova. E para si? R.N. - Para mim foi uma novidade. Foi um desafio.

Deu-lhe gozo? R.N. - Tudo o que seja dar à comunidade algo que seja útil dá-me sempre gozo. Não tenho nenhuma preparação académica para escrever um livro. Limitei-me a deitar para fora o meu carinho, a minha vontade e a minha experiência.

Como é que o João explora a metáfora do Evereste nas suas acções de motivação?

O Rui Nabeiro tem 78 anos. Não pensa na reforma? R.N. - Não, há uma responsabilidade social que injectei na minha vida e, quando assumimos essa responsabilidade, não podemos parar. Como não estou a tirar trabalho a ninguém, não vou desistir, a não ser que tenha algum problema de saúde.

O João diz no livro que a descida também tem um timing ideal. Tem medo de não perceber que chegou a hora de descer? J.G. - Tenho. Espero ter bom senso para parar na altura certa, não insistir em coisas que já não estão ao meu alcance. Mas não vou parar ou arrumar as botas. Vou descer a montanha da minha vida, voltar ao que comecei, a fazer passeios na montanha. Isto já não é um desporto. É um modo de estar na vida.

(Texto original publicado na Revista Única  da edição do Expresso de 28 deNovembro de 2009)