Coronavírus

Já há uma máscara portuguesa certificada para quem tem problemas auditivos

Já há uma máscara portuguesa certificada para quem tem problemas auditivos
D.R.

Desafiada pelo CITEVE, uma empresa de Famalicão desenvolveu uma máscara social transparente para fácil leitura labial que vai estar disponível dentro de duas semanas.

Imagine que precisa de escrever um documento de trabalho no computador e mais de metade das teclas têm as letras tão gastas que já não se percebem. Se for muito experiente, é provável que consiga construir o texto, mas vai voltar atrás muitas vezes porque quando pensava que ali era o 'R', afinal aquela é a tecla do 'F'. A situação vai causar-lhe nervosismo e ansiedade.

Mal comparado, é mais ou menos isto que sente quem tem dificuldades auditivas e tenta comunicar com outra pessoa de máscara. Em tempos de pandemia, o uso de máscara e a distância social tornou-se uma espécie de novo normal que dificulta bastante a vida dos surdos, de quem está a perder a audição, dos intérpretes de linguagem gestual ou terapeutas da fala. Ver padrões labiais e expressões faciais é vital para quem comunica através da linguagem gestual.

“A dificuldade é para todos e não é só a leitura labial, é a expressão do rosto e a forma como vocalizam, porque vocalizam juntamente com as mãos. A expressão facial é extremamente importante na gramática da língua gestual”, explica António Ferreira, diretor do Centro de Educação e Desenvolvimento Jacob Rodrigues Pereira, vocacionado para a educação e ensino de crianças e jovens surdos. Muitos gestos implicam tocar no rosto, como nomes, conceitos, e “a forma como são colocados os lábios juntamente com os olhos, se fecha mais um do que outro, fazem parte da capacidade de entender e de se ser entendido”.

Uma ida ao supermercado, aos correios, ou o médico tornaram-se muito mais difíceis para quem tem problemas de audição. E se o uso das viseiras parece ser a forma mais eficaz de contornar o problema, porque é uma janela para o rosto, a própria Diretora Geral da Saúde, Graça Freitas, alertou para o facto de não serem “um método que dispense utilização de uma máscara”, porque se protege muito bem os olhos e o nariz, já não protege muito bem de espirros, porque é aberta em baixo.

Próximo desafio é fazer máscaras com transparência descartáveis e de nível 2

Desde cedo começaram a surgir soluções um pouco por todo o mundo e Portugal não foi exceção, embora o processo até à elaboração de uma máscara social transparente certificada pelo CITEVE (Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário), que respeite as recomendações da Direção-Geral da Saúde, tenha cerca de mês e meio. A Elastoni Confecções, através da marca Be Angel, foi desafiada pelo próprio CITEVE para criar uma máscara social transparente para fácil leitura labial e a sua produção em série está para breve. “Dentro de duas semanas contamos ter stock destas máscaras para começar a distribuir”, disse ao Expresso, Nuno Oliveira, responsável por este projeto da Be Angel.

“Para mim, foi uma surpresa perceber que estas máscaras podem servir mais de um milhão de pessoas em Portugal, uma vez que não estamos a falar apenas dos surdos, mas também de pessoas com dificuldades auditivas, como a minha mãe. Tinha um problema em casa e não sabia”.

Com um custo de mão de obra três vezes superior ao utilizado para as outras máscaras sociais reutilizáveis, Nuno Oliveira avisa que as novas máscaras adaptadas “serão mais caras”, até porque implicam a utilização de plástico e tecido em simultâneo. “Se as máscaras habituais têm um preço de fábrica de 2.80/3€, estas não ficarão em menos de 4,5/5€”, conclui, ressalvando que ainda se está a tentar otimizar recursos para fazer baixar o preço.

Ao Expresso, o diretor do CITEVE, Braz Costa, não só confirmou a certificação das máscaras que vão ser comercializadas pela Be Angel, como garantiu que “o método de avaliação é bastante diferente daquele que é usado para as máscaras sociais comuns, uma vez que tem uma parte de material impermeável, oferece segurança de filtração e respirabilidade, compatível com as máscaras sociais de nível 3”. Braz Costa encoraja agora esta e outras empresas a “apresentar soluções para este tipo de máscara que sejam descartáveis ou que respondam aos critérios de nível 2 para uso de profissionais com grande contacto com o público”.

Pormenor da máscara da Elastoni - Confeções lda, comercializada através da marca Be Angel
D.R.

A comercialização de máscaras para fácil leitura labial é uma notícia que agrada ao diretor do CED Jacob Rodrigues Pereira, que tem 70 alunos com idades de um aos 18 anos e mais de 30 adultos que estão a aprender a linguagem gestual. António Ferreira assume que enquanto não puder testar estas novas máscaras de tecido e plástico, vai apostar nas viseiras e no distanciamento social a partir de segunda-feira, dia em que as crianças da creche e os mais velhos regressam às aulas presenciais. “Vamos promover o uso da viseira da parte do docente, com distanciamento social, e os alunos vão estar de máscara e quando precisarem de comunicar vão ter de a tirar”.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há 466 milhões de pessoas que sofrem com problemas de audição e muitos dependem da leitura labial, a par com a língua gestual, para comunicar.

Ashley Lawrence, uma estudante universitária de educação para surdos e pessoas com dificuldades auditivas, foi das primeiras a criar uma máscara com uma espécie de janela na zona da boca e um plástico transparente para que os surdos pudessem fazer leitura labial. Esta norte-americana de 21 anos, que vive no estado do Kentucky, criou o DHH (Deaf and Hard of Hearing) Mask Project e, a 31 de março, lançou uma campanha de crowdfunding, para ajudar a enviar, gratuitamente, a quem mais precisa. Mas dois dias depois de ter aberto a campanha, Ashley teve de a fechar não só porque já tinha atingido o montante pecuniário proposto como percebeu que não tinha capacidade para responder a todos os pedidos.

Na Bélgica, os professores de uma escola frequentada por crianças com necessidades especiais, a Royal WoluweInstitute, em Bruxelas, também costuraram máscaras com uma janela transparente que deixa ver a boca e, na Tailândia, Itália e Indonésia, já há instituições a distribuir máscaras transparentes, desejadas também pela comunidade não surda.

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