Coronavírus

Temido sem o otimismo de Costa, admite recorrer a privados para aliviar SNS

5 abril 2020 23:38

Vítor Matos

Vítor Matos

Jornalista

andré kosters/lusa

De manhã, assumiu que os hospitais estavam pressionados. À noite, não se comprometeu com a resiliência do SNS, que António Costa tem dado como garantido. Marta Temido, a ministra da Saúde, deu uma entrevista à RTP a admitir que o uso de máscaras pode vir a ser recomendado, ao contrário do que a DGS tem dito. E os privados podem ser chamados a contribuir para aliviar o sistema público, como o Bloco tem pedido. Prometeu dizer a verdade.

5 abril 2020 23:38

Vítor Matos

Vítor Matos

Jornalista

Mais do que confiança na resistência do SNS à Covid-19 - depois de esta manhã ter salientado a "pressão" crescente sobre os hospitais - a ministra da Saúde disse confiar sobretudo no trabalho dos profissionais de saúde e garantir a verdade: foi uma forma de não se pronunciar sobre a capacidade de resposta do sistema à epidemia. Marta Temido, a governante que tem estado no centro das operações desde que a pandemia do novo coronavírus atingiu Portugal, não assumiu na entrevista que deu na noite deste domingo à RTP1 o mesmo otimismo que o primeiro-ministro tem revelado sempre que questionado sobre a resiliência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A responsável pela Saúde não respondeu à pergunta do jornalista Carlos Daniel sobre quando é que o SNS pode entrar em colapso ou chegar ao limite (algo que António Costa garantiu que não ia acontecer). Ao contrário do chefe do Governo, Temido não se compromete com uma resposta otimista. Prefere dizer: "O que garanto aos portugueses é que direi a verdade". Ou que "todos os profissionais vão trabalhar incansavelmente" e que "o trabalho deles é a nossa melhor segurança". Depois de, no Parlamento e de numa entrevista, Costa ter garantido que nada falhou nem ia falhar, o primeiro-ministro chegou a dizer que o SNS tem "capacidade de resposta" através da reorganização dos seus serviços para uma eventual "grande expansão" do surto provocado pelo novo coronavírus.

A ministra, no entanto, preferiu não se comprometer com uma resposta tão definitiva. Na conferência de imprensa diária, realizada ao fim da manhã, Marta Temido apelou a um "esforço redobrado" de lares e unidades de cuidados continuados para acolher quem já não necessite de cuidados hospitalares. Ou seja, para o sistema não ser mais pressionado ainda. "É importante que todos percebamos que a pressão sobre o internamento hospitalar está a crescer", afirmou. Mas não repetiu essa ideia na entrevista que deu ao serão. Aliás, deu nota de mais uma evolução (ou contradição) na política de saúde pública - a possibilidade de generalização do uso de máscaras.

Afinal, as máscaras podem ter efeitos benéficos

Apesar de Graça Freitas, a diretora-geral de Saúde (DGS) repetir recorrentemente que as máscaras não são recomendadas para quem não estiver contaminado e que estas dão uma sensação de falsa segurança, Marta Temido admitiu à RTP que o Governo pode mudar de política e vir a recomendar o uso de máscaras, desde que bem utilizadas - sobretudo numa fase em que afrouxem as medidas de confinamento. "Estamos a equacionar uma alteração possível de contexto, em que uma maior circulação social possa ser adequadamente mais protegida pela utilização mais abrangente de máscaras", admitiu a ministra na entrevista à RTP.

"Seguimos em cada momento a evidência que está disponível", respondeu a ministra quando questionada sobre os benefícios do uso de máscaras (esta frase foi repetida até à exaustão, é o mantra dos responsáveis do Governo). E citou a Organização Mundial da Saúde, que ainda continua a dizer que "para qualquer tipo de pessoa sem sintomas, utilizar uma máscara de qualquer tipo não é recomendado".

No entanto, Marta Temido citou também um parecer encomendado pela DGS aos especialistas do Programa Nacional de Prevenção e Luta contra as Resistências Microbianas que vai no sentido contrário: na verdade, estes recomendam um uso mais generalizado de máscaras (por exemplo, ainda ontem o Presidente da República dizia que ia sempre às compras de máscara e luvas, contrariando as recomendações da DGS).

A ministra aceita que se devidamente utilizada, e "acompanhada de um conjunto de outras medidas" a máscara "pode ter um efeito protetor" e de diminuição do contágio. Temido não afasta o uso mais generalizado de máscaras no futuro e deu como exemplo o uso já feito por vários profissionais, entre eles as forças de segurança.

Otimista sim, em relação aos números (mas com cuidado)

Apesar de ter começado a entrevista na RTP com uma nota positiva, classificando o cenário atual como "encorajador" tendo em conta a evolução dos números nos últimos dias, a ministra não negou que estes pudessem mudar.

"Estamos num contexto muito agressivo", com quase 300 mortos, com as consequências diretas da doença, mas também com efeitos no trabalho e no "equilíbrio emocional". "A evolução dos números que vemos nos últimos dias é um cenário encorajador", admitiu Temido. "Deve dar-nos ânimo a continuarmos a ser disciplinados e humildes, ouvindo quem emite opiniões distintas e mesmo críticas, para chegarmos ao fim com o mínimo de danos possível".

No entanto, também afirmou que "neste momento não é possível afastar cenários", tendo assumido as dúvidas que ainda persistem pelo desconhecimento do próprio vírus: "Nós temos um vírus novo, e uma evolução da própria evidência que não nos permite ter a mesma segurança que costumamos ter.

A ministra também afirmou ser "difícil o equilíbrio" entre as medidas de contenção e a capacidade de continuarmos a manter a sociedade a funcionar".

Ministra prepara chamada dos privados para aliviar sistema público

Pressionada por partidos como o Bloco de Esquerda a requisitar a capacidade dos privados, a ministra admitiu precisar de canalizar doentes Covid graves e não Covid para hospitais não públicos. "As minutas dos acordos já foram aprovadas por mim e agora vamos avançar para a sua celebração. É evidente que os ativaremos se necessário porque isso é da vida".

Quanto à polémica sobre o número de ventiladores existentes, a ministra explicou que "1142 eram os que estavam disponíveis em março, no início da pandemia", mas neste momento há uma encomenda que pode reforçar esse número com mais "1538" novos aparelhos. Refira-se que hoje chegaram a Portugal 144 ventiladores provenientes da China. Os 1142 que existem, porém, "não abrangem" ventiladores que estão afectos a outras doenças ou serviços hospitalares, explicou.

Outro tema que tem preocupado a opinião pública e ocupado espaço nas notícias: qual é a capacidade efetiva de testagem que temos hoje, questionou o jornalista. A ministra explicou o que o âmbito da realização de testes foi sendo alargado e que agora "há 26 hospitais com capacidade instalada para fazer os testes", que se está a alargar a laboratórios privados. "Mais 100 mil testes realizados deste 1 de março", e 9 mil testes realizados a 1 de abril, "o maior número de testes até agora", disse.

Marta Temido afirmou também que Portugal recebeu 80 mil zaragatoas este sábado, e que as compras estavam irregulares, mas que agora haverá fornecimento mais regular para o SNS.

Sobre os atrasos nos testes, Temido reconheceu que estes podem verificar-se e assumiu haver casos onde pode faltar algum tipo de material. Mas "a circunstância de alguém estar à espera de um teste não pode inibir que a pessoa esteja já com as medidas de contenção e isolamento e voltar contactar com outros. O teste não dá a cura, dá um resultado."

Sobre a reabertura das escolas daqui a um mês - que será avaliada esta terça-feira - Marta Temido também deixou a questão em aberto. "Vamos reunir a melhor evidência de saúde pública, ver o que nos outros países está a ser feito, tentar ajudar a chegar à melhor decisão: a melhor decisão para a comunidade escolar, mas para toda a sociedade. Não ignoramos que as escolas têm o papel fundametnal de agregador social", respondeu a ministra, que não se comprometeu com a data de 4 de maio (avançada em primeira mão pelo Expresso) para um possível regresso às aulas.

"Temos de tomar uma decisão ponderada. Não podemos hipotecar o futuro. Temos de atender aos riscos em presença e equilibrar os que precisamos de correr", garantiu. Correr ou não correr riscos, e quais, eis as novas questões.