Conhecido sobretudo pela defesa das pegadas de dinossauros em Carenque e Serra d'Aire, Galopim de Carvalho foi também responsável pela reabilitação do Museu Nacional de História Natural. Docente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa durante 40 anos, o geólogo é homenageado esta terça-feira pelo Pavilhão do Conhecimento, mote para a publicação da entrevista dada ao Expresso
Nascido em Évora no ano de 1931 e o mais novo de seis irmãos, não foi grande aluno nos primeiros anos de escola, mas haveria de chegar a professor catedrático já depois da tropa e de uma experiência menos conseguida noutra área científica. Cursou Geologia como trabalhador estudante e após concluir a licenciatura manteve-se na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde tira o doutoramento e leciona os 40 anos seguintes. Pelo meio, ainda se destaca com a reabilitação do Museu Nacional de História Natural e na defesa das pegadas de dinossauros em Carenque e Serra d'Aire.
“O essencial, a raiz e o suporte da Humanidade são as rochas. É aí que nasce tudo”, defende.No mesmo dia da homenagem organizada pelo Pavilhão do Conhecimento, com o título “Aos ombros de um Gigante”, publicamos a entrevista com Galopim de Carvalho, o geólogo que acabou por ficar conhecido pelos… dinossauros.
A primeira pergunta tem a ver com o planeta onde nós vivemos, que tem 4,6 mil milhões de anos, segundo o que a ciência apurou. O planeta continua a evoluir? Continua a envelhecer?
Tem 4,6 mil milhões de anos aproximadamente. Não se sabe ao certo, mas este número é conseguido por métodos muito sofisticados. Neste momento é a data mais consensual, 4640 milhões de anos. A previsão dos cientistas que trabalham nestes problemas é que a Terra ainda vai viver outros 4,6 mil milhões, senão mesmo 5 mil milhões de anos aproximadamente. É o que se prevê para o fim da Terra. O Sol vai viver estes 5 mil milhões de anos e vai dilatar-se, evoluir, crescer e transformar-se naquilo que se chama um gigante vermelho. E esse gigante vermelho vai ultrapassar Mercúrio, Marte e envolver a Terra, que nessa altura desaparece como planeta. Agora, se a Humanidade acompanha o planeta durante esses 5 mil milhões de anos, eu não acredito, não vai acontecer. Todas as espécies que viveram no passado apareceram e desapareceram. E o homem não vai ser exceção. Teve um aparecimento, e depois irá desaparecer. Quando? Não sabemos, mas provavelmente, a sociedade moderna de consumo está a acelerar esse fim.
Mas do ponto de vista geológico, a própria Terra, antes de nós desaparecermos, vai mudar. Como é que vai mudar?
Vai mudar, porque sempre mudou. Digamos que a posição dos planos dos continentes que nós hoje conhecemos é diferente do passado. Digamos que eles afastam-se e colam-se uns aos outros. Quando se dá a colisão gera-se uma cadeia de montanhas. É o que acontece com qualquer cadeia de montanhas da terra, que resultou da colisão do fecho de um oceano e da colisão de dois continentes dos maciços continentais. Penso que já vamos no décimo ciclo destes, de fechar e abrir oceanos. Quando a América se juntar à Europa e África se juntar à América do Sul, onde está hoje o Oceano Atlântico, vai nascer aí uma cadeia de montanhas.
Podemos imaginar um Everest algures no Terreiro do Paço?
Dizia um colega meu que temos de considerar a estátua do Marquês a abraçar a estátua da Liberdade em Nova Iorque.
Seria uma revolução não só para a geologia, mas também uma revolução para a história política mundial! Portugal teve sorte com a geologia que lhe calhou?
É uma sorte pequenina. Tem muito, mas poucochinho de cada coisa. Temos rochas sedimentares praticamente de quase todas as idades. A mais antiga poderá andar ali nos 900 milhões de anos aproximadamente, lá para Trás os Montes. E as rochas mais modernas, aqui na periferia das regiões vestibulares dos grandes rios, 1 milhão, 2 milhões de anos, etc. Por exemplo, a foz do Tejo, que não foi aqui, mas foi na região mais alargada, não sabemos exatamente o sítio, mas onde fica a Lagoa de Albufeira tem uns 2 milhões de anos. O Tejo desaguava ali, não aqui. Este canal do Tejo que abre, que permite a entrada no estuário, é uma coisa recente, tem 2 milhões de anos.
Desaguava algures perto do Meco?
Sim, para um lado e para o outro, numa planície muito alargada, talvez com meandros divergentes ou atravessando braços por aqui ou ali, em planícies fluviais muito largas, muito rebaixadas e com a capacidade do rio mudar de leito de um lado para o outro.
É garantido que o Rio Tejo não quer voltar para lá? Um dia destes?
Provavelmente não. Quero dizer, um dia destes na nossa historia? Não. Mas na história geológica não se sabe.
Atualmente temos uma febre dos minérios em Portugal. Se calhar já não se via algo assim com tanto entusiasmo desde o tempo dos tempos do volfrâmio.
Exatamente. Agora é o lítio. Eu sou fundamentalmente contra a extração e a prospeção. Mas isso é uma questão ideológica. Não quero discutir esse problema aqui, mas alinho do lado daqueles que se opõem à extração e produção de petróleo. Os países com petróleo são países de gente pobre. De companhias ricas, mas de gente pobre. Portanto, há um contrassenso entre a riqueza da exploração e a pobreza da população. Relativamente ao lítio, já não sou tão contra. Percebo e respeito a oposição das populações, porque vão ver as suas terras transformadas, vão perder o sítio onde plantam as couves e as alfaces para fazer exploração e todo o desastre ecológico que isso constitui, mas não há maneira de fugir.
Porque é que não há maneira de fugir? É uma evolução tecnológica?
É o futuro. A indústria automóvel e outras vão basear-se na energia elétrica. E o lítio é fundamental para as baterias que mantêm essa corrente elétrica. Cada vez há mais procura de lítio a nível mundial e nós, felizmente ou infelizmente, não sei, somos bastante ricos nesse material. Vai ser inevitável. Estou convencido que, com a evolução da sociedade, a exploração do lítio, mesmo naquelas regiões onde a contestação vai ser muito grande, vai acontecer. É o que eu penso.
Ser geólogo em Portugal, nos tempos que correm, é mais atrativo ou não?
Ser geólogo em Portugal é concorrer para o desemprego. Muitos deles vão exercer lá para fora, mas bastava que cada autarquia, assim como tem juristas, economistas, arquitetos paisagistas e engenheiros tivesse um geólogo. As autarquias fazem os planos diretores, para saberem o que é que têm no concelho e onde é que podem plantar batatas, onde é que podem extrair isto, onde é que podem estar… Portanto, era fundamental e era construtivo para todas as autarquias. Deixavam de se fazer tantas asneiras que se tem feito neste país se tivessem os geólogos à cabeça dessas decisões e empregavam-se logo quantos? Quantos concelhos tem Portugal?
Mas vendo esta corrida aos minérios e aos novos materiais, havendo um interesse já há várias décadas das grandes empresas em ter geólogos para descobrir jazidas de ouro, de petróleo e muitos mais minérios, fica a ideia que estaria talhado logo à saída da faculdade para ter para ter um emprego bem remunerado.
Há muitos que têm dificuldade em encontrar emprego aqui em Portugal. Vão para África, Angola, Moçambique… Para os países muito desenvolvidos não vão, porque eles têm lá os seus. Se reparar, quando se fala na vida pública de cientistas, pouco se fala em geologia. Isto é culpa dos geólogos, porque não conseguiram criar uma classe de prestígio, como criaram os biólogos - que até tem uma ordem dos biólogos - são uma classe conhecida e respeitada.
Também há aqui um lado de mediatização. O geólogo trabalha maioritariamente com coisas que não estão vivas.
Exatamente, é essa a razão. A vida impressiona mais as pessoas. Mas realmente, se não houvesse rochas, não havia solo; se não houvesse solo, não havia ervas; se não houvesse erva, não havia herbívoros; se não houvesse herbívoros, não havia carnívoros, nem pessoas, porque não tinham o que comer. Quero dizer, o essencial, a raiz e o suporte da Humanidade são as rochas. É aí que nasce tudo.
As características geológicas no local determinam a etnografia e influenciam a forma como as populações evoluem e se distinguem umas das outras?
Sim, sim, com certeza. Por exemplo, naquelas cidades onde os terrenos são argilosos, há mais tendência a criar etnografias associadas ao barro, à cerâmica. Naquelas regiões onde o granito prevalece, há mais tendência a criar uma arquitetura ou uma construção civil muito baseada no granito e noutros tipos de rochas. Há centenas senão milhares de nomes de rochas para os especialistas, mas para a população em geral… A cultura geológica da população deixa muito a desejar. Mas isto vai dos presidentes da República aos motoristas e aos jogadores de futebol. Portanto, esta ignorância, esta incultura geológica, é um handicap da população portuguesa.
A evolução tecnológica dos instrumentos científicos permitirá obter mais informação útil do subsolo. Acredita nisso?
Acredito que a ciência evolui e que vai conseguir descobrir coisas que nós não imaginamos. Portanto, a resposta à sua pergunta é afirmativa. Claro que sim, há de haver com certeza maneiras técnicas cada vez mais aperfeiçoadas ou cada vez mais sofisticadas, que conseguirão compreender coisas que nós ainda hoje não compreendemos ou descobrir coisas que não conhecemos.
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