Sociedade

Caricatura de Amílcar Cabral no livro do curso de Agronomia foi feita por Sousa Veloso

27 novembro 2014 15:48

Sousa Veloso, o engenheiro do TV Rural, em trabalho para a RTP

arquivo a capital

Homem que deu a cara na RTP pelo antigo programa "TV Rural" tinha uma enorme admiração por Amílcar Cabral, seu colega de curso em Agronomia e que viria a fundar o PAIGC. Um fazia caricaturas, o outro poemas.

27 novembro 2014 15:48

José  Carlos Sousa Veloso, o homem que durante três décadas se despediu "com amizade até ao próximo programa" dos portugueses na RTP - e esta quinta-feira nos deixou para sempre, aos 88 anos - tinha menos dois anos do que Amílcar Lopes Cabral, que nasceu em Bafatá a 12 de setembro de 1924 e viria a ter um papel central na história de Portugal, Cabo-Verde e da Guiné-Bissau.

Os dois homens conheceram-se em 1945, ano em que entraram para o Instituto Superior de Agronomia. José cresceu e estudou em Lisboa, Amílcar - que veio ao mundo na Guiné - nas ilhas de Santiago e São Vicente em Cabo Verde. "Sousa Veloso foi o autor de mais metade das caricaturas dos colegas no livro de curso, incluindo a minha" disse ao Expresso Maria Irene Moreira, uma das poucas raparigas que nesse ano entrou para o curso de Agronomia

 

Caricatura de Amílcar Cabral feita por Sousa Veloso no livro do curso que entrou para Agronomia em 1945. Em pleno Estado Novo, Cabral tem na mão um livro de Engels, pousado sobre a terra de Cabo Verde

Caricatura de Amílcar Cabral feita por Sousa Veloso no livro do curso que entrou para Agronomia em 1945. Em pleno Estado Novo, Cabral tem na mão um livro de Engels, pousado sobre a terra de Cabo Verde

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Dantas Teixeira, outro colega de faculdade, diz ao Expresso: "O Veloso não fez a minha caricatura mas fez a de muitas dos meus colegas. Tal como o Amílcar Cabral, fez boa parte dos versos do livro de curso", o que de certa forma pode explicar os laços que uniram dois homens tão diferentes. "Amílcar Cabral foi uma pessoa que tocou especialmente o meu pai", conta Margarida Sousa Veloso. O certo é que em 1950, em plena ditadura do Estado Novo, Veloso caricaturou Cabral com um livro de Engels na mão assente na terra de Cabo Verde...

José Carlos Sousa Veloso nasceu a 21 de abril de 1926 em Lisboa e dedicou a vida ao trabalho. Em 1953 casou com Conceição Beja Neves, uma jovem licenciada em Farmácia, que nunca trabalhou fora de casa: "A minha mãe abdicou da vida dela para ajudar o meu pai", comenta Margarida. Esta opinião é partilhada pela ex-professora e escritora Lurdes Marcelo, viúva do engenheiro silvicutor José Caetano Velez, colega de curso de Sousa Veloso, que diz que Conceição era de "uma dedicação total" ao marido e à casa, já pouco comum entre as mulheres licenciadas que têm hoje mais de 80 anos.

No início da sua vida profissional Sousa Veloso trabalhou no Ministério da Agricultura e, em 1959, ingressou nos quadros da RTP na companhia do colega Monteiro Alves que viria a abandonar a estação televisiva pouco depois. Correu o país de lés a lés até o programa acabar, por opção da RTP, três décadas mais tarde. A partir daí "as doenças começaram a ganhar peso. Tiraram-lhe o estímulo que o movia", diz Margarida: "Passou a viver só para a família, para os oito netos...", que reconheceu até ao fim.

A saúde foi-se deteriorando e faleceu esta quinta-feira aos 88 anos, no Hospital Residencial do Mar [Bobadela], onde viveu nos últimos três anos. A sua bonomia fez com que o engenheiro agrónomo se tornasse num dos rostos mais conhecidos dos portugueses à conta do programa semanal, emitido entre dezembro de 1960 e setembro de 1990. O TV Rural deixou de ser emitido a 15 de setembro de 1990, ao fim de 1.500 horas de emissão, sendo o programa de maior longevidade da televisão portuguesa. Na última emissão, Sousa Veloso despediu-se com a frase: "até sempre

Sousa Veloso com a mulher, Conceição, em 2007

Sousa Veloso com a mulher, Conceição, em 2007

paulo jorge figueiredo

O corpo está em câmara ardente na Basílica da Estrela a partir das 19h desta quinta-feira. Amanhã, às 15h30, haverá missa de corpo presente. O funeral sai depois para o crematório do cemitério dos Olivais.

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