O habitualmente discreto mundo das publicações académicas está a ser atingido por crescente polémicas à volta da política de cobranças da Elsevier, prestigiada editora de artigos científicos, acusada de abusar na cobrança de taxas para divulgar os conteúdos dos investigadores.
O jornal britânico “Guardian” revela este domingo que “mais de 40 cientistas de renome renunciaram em massa ao conselho editorial de uma das principais revistas científicas em protesto contra o que descrevem como a ‘ganância’ da gigante editorial Elsevier” (https://www.theguardian.com/science/2023/may/07/too-greedy-mass-walkout-at-global-science-journal-over-unethical-fees).
A Elsevier auto-intitula-se como “uma empresa editorial holandesa especializada em conteúdo científico, técnico e médico”. É considerada uma das seis empresas que dominam a publicação científica no mundo inteiro, tendo sido fundada em 1880.
O “Guardian” explica que “todo o conselho académico da revista ‘NeuroImage’, incluindo professores da Universidade de Oxford, do King's College London e Cardiff University, renunciou depois de a Elsevier se ter recusado a reduzir os custos de publicação”.
Segundo o jornal britânico, a atitude estará a ser recebida no meio académico de forma positiva e até com entusiasmo, vista como um sinal do início de uma potencial “rebelião contra as enormes margens de lucro das publicações académicas”, capazes mesmo de superar as margens de empresas como a Apple, Google e Amazon.
A “Neuroimage” (https://www.sciencedirect.com/journal/neuroimage), revela o “Guardian”, será a publicação líder global em pesquisa de imagens cerebrais, que passou a ser de “acesso aberto”, sem exigir o pagamento de uma assinatura por parte de quem quer ler os artigos ali publicados. Como contrapartida, os valores cobrados aos autores serão excessivos, refletindo o prestígio da publicação. “Os académicos pagam mais de 2700 libras (cerca de 3100 euros) para publicar um trabalho de investigação”, revela o “Guardian”, acrescentando que “os ex-editores dizem que é ‘anti-ético’ e não tem relação com os custos envolvidos”.
Há 15 dias, um artigo da revista de ciência “Nature” (https://www.nature.com/articles/d41586-023-01391-5) também abordou a polémica. Explicava na altura que a decisão de demissão de 42 académicos que compunham as equipas editoriais da “NeuroImage” “surgiu após muitas discussões entre os editores”.
O artigo cita um neurocientista da Universidade de Oxford, que classifica a política seguida pela publicação como “antiética e insustentável” e revela que Stephen Smith irá liderar a equipa editorial de uma nova revista a ser lançada, a “Imaging Neuroscience”, que deverá ficar associada à editora sem fins lucrativos MIT Press, ligada ao Massachusetts Institute of Technology.
A Elsevier, segundo a “Nature”, já terá reagido, respondendo que os honorários cobrados garantem aos investigadores “serviços de publicação com qualidade acima da média por um preço abaixo da média”.
Mas, segundo o artigo da “Nature”, os editores da “NeuroImage” dizem que “as taxas excluem muitos académicos baseados em países onde a investigação não é bem financiada”, que “as taxas não refletem os custos diretos dos artigos” e que “é errado os editores lucrarem com a ciência que não financiaram”.
A Elsevier reivindica para si a publicação de cerca de 25% dos artigos científicos do mundo, tendo anunciado um aumento de 10% da sua receita, que foi em 2022 de 2,9 mil milhões de libras (3,43 mil milhões de euros) e margens de lucro próximas de 40%, de acordo com o texto do “Guardian”, que para avançar com a informação cita também o relatório e contas de 2019.
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