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Turquia, dia #4 do diário do epicentro: pequenos gestos fazem a diferença

Turquia, dia #4 do diário do epicentro: pequenos gestos fazem a diferença
MAXIM SHEMETOV/Reuters

Existem muitos fatores imponderáveis e imprevisíveis, perante os quais nada podemos fazer; no entanto, existem também vários aspetos que conseguimos controlar, pequenos gestos simples que fazem efetivamente a diferença, salvando vidas humanas e introduzindo maior segurança nas edificações

Membros da missão pós-sismo na Turquia, liderada pelo Instituto Superior Técnico

A destruição na Turquia devido aos sismos de fevereiro de 2023 abrange vastas áreas, algumas junto aos epicentros, outras mais afastadas. A distribuição não é uniforme, nem tão pouco proporcional à distância ao epicentro. Conseguem-se observar edifícios colapsados ao lado de outros com poucos problemas. Assim como existem quarteirões dizimados ao lado de outros que aparentam terem sobrevivido com poucos danos. O que distingue a resposta sísmica de estrutura para estrutura, de zona para zona? A resposta não é simples nem direta. Vários fatores influenciam a resposta e raramente se consegue reduzir a uma única razão a causa do sucesso ou insucesso do comportamento ao sismo.

A perigosidade sísmica depende de aspetos como a localização geográfica ou tipos de solos. A localização geográfica indica a distância a falhas sísmicas e a que tipo de falhas sísmicas. Epicentros em falhas entre placas tectónicas têm tendência para gerar sismos de maior magnitude do que em falhas no interior da mesma placa tectónica. Solos brandos como areias ou argilas soltas amplificam a ação sísmica relativamente a solos rochosos. Constatamos que nada podemos fazer quanto à perigosidade sísmica a não ser decidir mudar a localização da estrutura. Ao querer construir em dado local, a perigosidade sísmica estará definida.

Mas existem outros fatores em que temos influência. O tipo de material usado na construção, a tipologia da estrutura, a satisfação de normas validadas de cálculo e de construção têm uma influência decisiva.

A Turquia tem vindo a substituir a construção tradicional por betão armado, sendo esta a maioria da construção existente atualmente neste país, assim como em Portugal. Os regulamentos atuais, quer na Turquia, quer em Portugal, têm especificações e disposições que efetivamente melhoram o comportamento sísmico das edificações, colocando a segurança das pessoas em primeiro lugar, ao incidir na prevenção do colapso da estrutura para um sismo de intensidade alta, apesar de poder ter danos significativos que inviabilizem a sua utilização ou recuperação posterior.

No entanto, existem detalhes construtivos muito simples que, quando não observados, podem comprometer o comportamento da estrutura, mesmo que esteja calculada de acordo com a regulamentação técnica. Alguns destes detalhes construtivos parecem erradamente pouco importantes, mas podem condicionar o comportamento duma estrutura. Esses detalhes são independentes dos países ou dos regulamentos, são boaspráticas de construção e têm um papel vital em estruturas em zonas sísmicas.

Podemos imaginar uma pipa de vinho, com as madeiras colocadas na vertical e justapostas. Para evitar que as madeiras tombem quando depositamos o vinho no seu interior, colocam-se cintas metálicas horizontais a envolver todas as madeiras. A cinta metálica, só por si, se não envolver todas as madeiras em todo o perímetro e não estiver presa nas extremidades, pouco irá fazer. Podemos ter muitas formas de fixar as cintas, mas talvez a mais simples será encaixar as suas extremidades para dentro das madeiras de modo que, quando as madeiras forem apertadas, a cinta não consiga escorregar (à semelhança de um agrafo com as pontas fechadas). Embora possa parecer estranho e demasiado simples, este é um aspeto essencial para garantir um adequado comportamento de um pilar de betão armado durante uma ação sísmica.

Efetivamente, qualquer material, quando comprimido numa dada direção, expande nas direções perpendiculares (como, por exemplo, a plasticina, que quando pressionamos, alarga), o que acontece também com o betão. Quando um pilar de betão é comprimido, devido ao peso do edifício, tende a alargar (exagerando: tal como o vinho que quando entra na pipa quer espalhar-se), pelo que se existirem cintas a envolver o betão e as armaduras verticais este fica confinado, o que melhora o desempenho estrutural. Se as extremidades das cintas não forem devidamente presas, ou dobradas para o interior do betão (como os agrafos), a cinta abre-se e deixa de cumprir a sua função, pelo que não poderemos controlar a expansão do betão e teremos uma rotura. Este é um dos detalhes que era frequente observar em edifícios danificados nas zonas mais afetadas pelo sismo na Turquia, como se pode ver na imagem.

Cristina Oliveira

Também em Portugal se observa esta tendência de não realizar a cintagem dos elementos verticais de forma correta, pois é mais trabalhoso dobrar as cintas, para que fiquem presas, do que não as dobrar, devido a um aumento de tempo despendido na obra, muitas vezes constrangida por prazos a cumprir, e por desconhecimento efetivo das suas consequências. Temos de formar os operários para que estes compreendam e se comprometam com a segurança das estruturas, independentemente do tempo e esforço adicional consumido nestas tarefas. A segurança sísmica é um trabalho de todos.

Existem muitos fatores imponderáveis e imprevisíveis, perante os quais nada podemos fazer; no entanto, existem também vários aspetos que conseguimos controlar, pequenos gestos simples que fazem efetivamente a diferença, salvando vidas humanas e introduzindo maior segurança nas edificações.

Esta é uma missão não-governamental composta por membros da academia, da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica e de empresas, que se juntou a colegas da Turquia.

Autores:

Cristina Oliveira - Escola Superior de Tecnologia do Barreiro do Instituto Politécnico de Setúbal

Miguel Sério Lourenço - JSJ Structural Engineering

Mónica Amaral Ferreira e Mário Lopes - Instituto Superior Técnico

Paulo Pimenta - Pretensa Lda.

Xavier Romão - Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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