Sociedade

Turquia, dia #3 do diário do epicentro: os hospitais vítimas dos sismos

Hospital de Antakya, sem isolamento de base: estrutura não colapsada, mas inoperacional
Hospital de Antakya, sem isolamento de base: estrutura não colapsada, mas inoperacional
Cristina Oliveira

Seria importante que, em Portugal, se melhorasse o grau de preparação para um evento sísmico, dotando todos os novos hospitais a construir nas zonas de maior risco sísmico do país com sistemas de proteção sísmica, em particular, o isolamento de base

Membros da missão pós-sismo na Turquia, liderada pelo Instituto Superior Técnico

Dois meses após o sismo, não se conhece ao certo o número de vítimas. Fontes não oficiais estimam que o número de vítimas possa chegar às centenas de milhar. O mundo mobilizou-se e a resposta foi rápida, ao enviar equipas de resgate, alimentos, apoio logístico. No entanto, a magnitude e a devastação que causou no parque construído poderá, eventualmente, incluir este evento na lista de sismos com o maior número de vítimas da memória recente.

A missão portuguesa de reconhecimento e avaliação pós-sismo tem o propósito de perceber o que terá provocado tão elevada mortandade, e alertar o nosso país para a existência de soluções que, se postas em prática o quanto antes, conseguirão construir um país mais resiliente e, consequentemente, um futuro mais sustentável.

Os sismos não acontecem só nos outros países. Os erros nas técnicas e nas práticas construtivas ou as falhas na transição do projeto para a sua execução também existem em Portugal. Observam-se, também, muito boas práticas na Turquia relativamente à proteção sísmica de edifícios vitais para a sociedade, que serão simples de aplicar em Portugal caso exista a vontade política, já que a vontade pública e técnica parece ser indiscutível.

Foram visitados quatro hospitais em algumas das cidades atingidas pelo sismo, nomeadamente, Adana, Osmaniye, Antakya e Kirikhan. Os dois primeiros possuem isolamento sísmico, os de Antakya e Kirikhan, não. As fotografias que se apresentam dos hospitais de Osmaniye e Antakya falam por si.

Hospital de Osmaniye, com isolamento de base
Mónica Amaral Ferreira

As estruturas com isolamento de base são desligadas da fundação com dispositivos chamados isoladores, habitualmente localizados sobre as fundações ou no topo dos pilares das caves de estacionamento. Estes dispositivos têm por função isolar o edifício do movimento horizontal do solo durante o sismo, impedindo que este se transmita ao edifício. Para este efeito, é necessário permitir o movimento do edifício em relação ao exterior, sem quaisquer restrições, de modo a acomodar os deslocamentos relativos entre o edifício e o exterior. Assim, e com recurso a tubagens com partes flexíveis, é permitida a passagem de água, gás, eletricidade, gases medicinais e todos os elementos que garantem o normal funcionamento do hospital. O isolamento de base, ao reduzir fortemente as vibrações do edifício, irá proteger não só o edifício como também as pessoas e o equipamento fulcral no seu interior para a resposta imediata e eficaz à população. Note-se que mais de 90% dos feridos após um sismo ocorre na primeira meia hora do evento, e sem hospital não há capacidade de resposta.

O hospital de Adana é o maior do mundo construído com isolamento de base: 320 mil m2, 1600 camas e 1500 isoladores sísmicos. Após o sismo, esta estrutura crítica manteve-se sempre a funcionar e operacional sem qualquer dano, quer ao nível da estrutura, quer dos elementos não-estruturais (revestimentos, tetos falsos, condutas de água, gás, eletricidade e, principalmente, os equipamentos médicos). Permitiu receber feridos da província de Hatay, onde vários hospitais colapsaram ou ficaram inoperacionais devido à queda dos elementos não-estruturais. Como em outros eventos, tais como o sismo do Japão em 2011, ter uma estrutura como esta a funcionar permitiu à proteção civil ter um ponto de partida imediato para a resposta e o apoio à população, desde a confeção de alimentos até ao abrigo temporário dos desalojados. O seu heliporto permitiu também receber 40 helicópteros por dia (sete feridos/helicóptero). Este aspeto não é de somenos importância, uma vez que o mau estado das estradas, a combinar com o tráfego intenso e caótico, impossibilitava a chegada dos feridos aos equipamentos de saúde.

O hospital de Osmaniye, cidade perto da zona epicentral e construído também com isolamento de base, tinha a sua inauguração prevista para o mês de março, encontrando-se em fase de acabamentos quando o sismo ocorreu. Não apresentava quaisquer danos, estava totalmente operacional e foi imediatamente posto ao serviço das populações. Em Antakya e Kirikhan, os hospitais foram construídos sem isolamento de base e, apesar de não terem colapsado, os seus elementos estruturais e não-estruturais estavam de tal forma danificados que impediram a utilização da infraestrutura como auxílio à população, num momento de grande necessidade. Não há registo relativamente aos equipamentos médicos nestes hospitais, mas crê-se que, face aos danos observados, estarão igualmente inoperacionais, contribuindo para impedir o funcionamento adequado dos mesmos.

Missão pós-sismo na Turquia, liderada pelo Instituto Superior Técnico

Existindo o conhecimento técnico necessário e a tecnologia, já validada, de isolamento de base, adequada para ser utilizada em estruturas críticas, como hospitais, que se pretendem operacionais antes, durante e após um sismo, seria importante que em Portugal, país que também pode ser atingido por sismos de grande intensidade, se melhorasse o grau de preparação para um evento desse tipo, dotando todos os novos hospitais a construir nas zonas de maior risco sísmico do país com sistemas de proteção, em particular o isolamento de base. Caso contrário, a capacidade de reação e apoio aos doentes e feridos será muitíssimo menor e mais morosa, o que se refletirá num preço a pagar em vidas humanas.

Nota: Os autores agradecem à empresa TDG e à nossa colega Deniz Koçak, todo o apoio que foi facultado à equipa de forma a possibilitar a visita a estes equipamentos.

Esta é uma missão não-governamental composta por membros da academia, da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica e de empresas, que se juntou a colegas da Turquia. Os autores deste artigo são:

Mário Lopes e Mónica Amaral Ferreira - Instituto Superior Técnico

Miguel Sério Lourenço - JSJ Structural Engineering

Paulo Pimenta - Pretensa Lda.

Cristina Oliveira - Escola Superior de Tecnologia do Barreiro do Instituto Politécnico de Setúbal

Xavier Romão - Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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