Turquia, dia #2 do diário do epicentro: é preciso ir além da emergência
Missão pós-sismo na Turquia, liderada pelo Instituto Superior Técnico
Em Antakya, a outrora densa selva urbana de edifícios residenciais foi quase totalmente destruída e agora substituída por uma planície de escombros de betão despedaçado e aço retorcido
Membros da missão pós-sismo na Turquia, liderada pelo Instituto Superior Técnico
Antakya é uma cidade com 1,7 milhões de habitantes, localizada na província de Hatay, que o sismo de 6 de fevereiro transformou num estaleiro de demolições constantes. A outrora densa selva urbana de edifícios residenciais foi quase totalmente destruída, e agora substituída por uma planície de escombros de betão despedaçado e aço retorcido. Provavelmente foram milhares os edifícios que colapsaram devido ao sismo. E a maioria dos restantes tem danos que os deixaram num estado que desafia a lei da gravidade.
No meio desta destruição generalizada, a população restante sobrevive nos inúmeros campos de desalojados espalhados por toda a cidade criados pela proteção civil Turca (AFAD), com a ajuda de operacionais da proteção civil de vários países, bem como de outras organizações internacionais. Alguns destes campos têm condições que permitem que o dia a dia desta população se aproxime o mais possível da normalidade. Vários já possuem escolas, centros de saúde, locais de culto, lavandarias, e outros têm também zonas de lazer para crianças.
Mas os dias são longos nestas condições improvisadas. No meio do pó constante que inunda a cidade e que resulta de toda a logística das demolições e do transporte de escombros, várias pessoas ainda tentam recuperar alguns dos seus bens de edifícios que esperam a sua vez para serem demolidos, muitas vezes arriscando a vida, atendendo às condições de estabilidade precária. Algumas pessoas choram a perda dos seus entes queridos vagueando pelo local onde a tragédia ocorreu, tentando recolher alguma recordação que lhes dê algum conforto. Outras simplesmente suportam a marcha lenta do tempo na esperança de melhores dias, na expectativa de obter auxílio governamental que os possa ajudar a ter uma nova casa, ou uma nova vida, pois o medo de voltar à vida anterior poderá ser insuportável.
Há um odor a morte misturado com a surrealidade de uma população que procura sobreviver com pequenos negócios improvisados, pequenas ilhas de vida que contrastam com a total devastação que se ergue a toda volta. Os dias aparentam ser longos em Antakya, e todos iguais. Antecipa-se que a recuperação desta cidade seja lenta e morosa. Anos. Mas quantos? O processo logístico de reconstruir uma vasta área numa cidade e recuperar a confiança de uma população nunca é imediato. O primeiro, claramente de natureza técnica, poderá levar décadas; o último, poderá levar gerações.
Missão pós-sismo na Turquia, liderada pelo Instituto Superior Técnico
As dificuldades associadas ao processo de recuperação após um sismo de grande intensidade são algo em que não pensamos o suficiente e não discutimos o suficiente. É fundamental pensar nas questões envolvidas com antecedência, mesmo que não seja possível prever com exatidão o que irá acontecer quando ocorrer um sismo. A ser necessário criar campos de desalojados, como vão ser estes organizados? Quão rápido serão repostas certas funcionalidades essenciais da sociedade? Como será a recuperação económica de muitas atividades produtivas que podem ser afetadas?
Responder a estas perguntas levanta muitas incógnitas que têm de ser integradas num processo de planeamento cujo âmbito é nacional. Mas estas não são as únicas questões para as quais é necessário esse planeamento antecipado. Os impactos sociais na população afetada são muitas vezes esquecidos nesta discussão. O tempo de recuperação de vilas e cidades, quer em termos de construção quer em termos da retoma da vida normal, pode ser longo e causar a migração dos habitantes para outros locais onde possuem família ou onde simplesmente procuram uma vida melhor, longe de recordações dolorosas. Os laços sociais que se perdem, os sentimentos de pertença a um lugar que se desvanecem, toda uma cultura que sofre perdas irreparáveis e irrecuperáveis.
Mas esta discussão sobre os desafios da recuperação pós-sismo não é apenas útil para antever o que deverá ser feito se os cenários antecipados ocorrerem de facto. Esta discussão é essencial para compreender o que pode ser feito para prevenir a ocorrência desses impactos, ou para reduzir a sua intensidade. Esta discussão é essencial para entender que segurança sísmica queremos ter enquanto sociedade e que impactos não nos podemos dar ao luxo de sofrer caso ocorra um sismo, sob pena de condicionarmos o nosso futuro e a nossa identidade enquanto país.
Esta é uma missão não-governamental composta por membros da academia, da Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica e de empresas, que se juntou a colegas da Turquia. Os autores deste artigo são:
Xavier Romão - Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Cristina Oliveira - Escola Superior de Tecnologia do Barreiro do Instituto Politécnico de Setúbal
Paulo Pimenta - Pretensa Lda.
Miguel Lourenço - JSJ Structural Engineering
Mónica Amaral Ferreira e Mário Lopes - Instituto Superior Técnico
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