Como interpretar e combater a solidão dos idosos na época natalícia? Associações e investigadores sugerem o caminho a seguir
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O tema da solidão nos idosos ganha relevância na época natalícia, quando as lembranças familiares podem estar mais vivas nas memórias daqueles que estão agora sós. Associações e especialistas em gerontologia social defendem que, para combater este problema, é necessário fortalecer as redes de apoio social e as comunidades em torno dos idosos
Casa cheia, mesa de jantar recheada, presentes e muita alegria. Estas palavras poderiam descrever a noite de consoada da grande maioria das famílias portuguesas, mas não de todas. A época natalícia é propícia a contrastes: nos meios de comunicação, é exaltada uma imagem de famílias felizes, convívio e boa disposição, mas na casa de muitos portugueses, particularmente os mais idosos, o natal vai ser dominado, antes, pela solidão.
São mais de 44,5 mil os idosos que atualmente vivem sozinhos e/ou isolados em Portugal, dizem os dados da Operação de sinalização da GNR “Censos Sénior 2022”, realizada em outubro passado. Em geral,a solidão atinge cerca de 70% dos idosos portugueses, afirmou à Rádio Renascença em maio deste ano Adalberto Dias de Carvalho, presidente do Observatório da Solidão.
Este tema tem, de facto, feito correr muita tinta nos últimos anos, tanto a nível académico como jornalístico, e tem despertado a atenção dos líderes políticos europeus. Recentemente, a solidão foi objeto de um estudo da União Europeia publicado em 2021, cujas conclusões apontam que um em cada quatro europeus sentiram-se sós durante mais de metade dos seus dias nesse ano.
Os resultados comprovaram que a solidão assola com maior frequência os idosos. E as razões que podem justificar esta realidade são variadas. Para Stella Bettencourt da Câmara, docente investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, onde coordena o mestrado em Gerontologia Social, este facto deve-se sobretudo a duas questões: a dificuldade de adaptação à crescente longevidade da vida moderna e a deterioração gradual na rede de apoio de amigos, vizinhos e família ao longo da vida.
Segundo os dados da Pordata, em 1960 a esperança média de vida era de 67,1 anos. Em 2020, fixou-se nos 80,7. Isto traduz-se num período muito maior, em média, entre a idade de reforma e a morte. “Temos mais anos de vida após a nossa vida ativa, e a maioria de nós não se prepara para esse facto”, aponta a investigadora.
Muitas destas pessoas poderão começar a sentir dificuldade em lidar com a mudança e com o sentimento de que já não estão em condições de contribuir ativamente na sociedade. “Há aqui uma quebra de atividade - a pessoa deixa de ser ativa e produtiva”, disse ao Expresso Marisa Galante, coordenadora da delegação de Lisboa da Associação Coração Amarelo, dedicada ao voluntariado de proximidade para combater a solidão dos idosos.
“Os mais velhos sentem que os mais novos lhes passam esse estatuto - de já não serem produtivos". De acordo com a coordenadora, isso pode gerar um "sentimento de inutilidade”.
Paralelamente, com o passar dos anos, e também devido às tendências demográficas ao nível da urbanização e emigração, a rede de apoio dos idosos torna-se mais frágil. “As pessoas mais velhas acabam por perder a sua rede de suporte e apoio, e quanto mais vivem pior é”, explicou Maria João Xavier, psicóloga na associação Mais Proximidade. “Vão perdendo a família, os vizinhos, os amigos. Portanto, acaba por haver muitas perdas ao longo da vida, o que faz com que se isolem cada vez mais”.
Outro ponto muito citado pelas especialistas ouvidos pelo Expresso prende-se com a debilidade física sentida por muitos idosos e na sua dificuldade em ultrapassar as barreiras arquitetónicas das cidades portuguesas. O simples facto de o prédio onde vivem não ter elevador ou a rua por onde passam não ter um corrimão pode servir de entrave à socialização e contribuir para a perceção de “isolamento social”, sugeriu Stella Bettencourt da Câmara.
A perda de mobilidade, em geral, faz com que os idosos fiquem cada vez mais dependentes e evitem fazer “as suas rotinas, como ir ao café ou conviver com os vizinhos”, acrescentou Maria João Xavier.
A solidão na Época Natalícia
No Natal, os sentimentos de solidão e isolamento intensificam-se, tal como demonstra o aumento nos pedidos de auxílio sentido nas associações ligadas a esta problemática.
“As pessoas sentem-se mais nostálgicas, sentem mais os dias conforme nos vamos aproximando do Natal, porque se recordam dos seus amigos e familiares que estariam outrora em sua casa e que, agora, já não estão”, aponta Marisa Galante. “São dias em que as pessoas sentem mais a falta daquilo que era a sua família, as suas tradições de natal, falam muito disso”, corrobora a psicóloga da Associação Mais Proximidade.
Além disso, os meios de comunicação social e os anúncios espalhados pelas ruas das cidades baseiam-se muito na ideia de uma família feliz, reunida em torno da mesa na noite de consoada, algo que serve apenas para lembrar muitos do que já experienciaram no passado e que, agora, não têm.
“A quadra natalícia é muito propícia a que todos falem das questões da amizade, da solidariedade e da família”, lembra a investigadora do ISCSP. Como a comunicação social se foca tanto nos “laços familiares”, para “quem não tem família este sentimento de solidão pode agudizar-se”.
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Sendo assim, de que forma tentam as associações e instituições sociais combater este problema? As respostas variam, mas todas sublinham a necessidade de fortalecer as redes de apoio e as comunidades em torno dos idosos, motivando-os a socializar e participar na vida das suas localidades.
Um exemplo é a campanha “Por um Natal Mais Próximo”, da Câmara Municipal de Ílhavo. Pelo terceiro ano consecutivo, o município irá mobilizar equipas de voluntários e colaboradores da Câmara Municipal e das forças de segurança no sentido de se deslocar a casa dos idosos que irão estar sós na noite de consoada.
As visitas, escreveu a Câmara Municipal ao Expresso, por email, procuram “transportar um pouco de alegria e companhia a quem estiver só” e “manter os seniores mobilizados e integrados na vida comunitária”. Na edição de 2022, o município de Ílhavo espera ajudar 40 pessoas, o que representaria um aumento de sete pessoas face ao ano anterior.
A esta juntam-se medidas semelhantes espalhadas por todo o país, desde um jantar de Natal organizado pela Câmara Municipal de Mondim de Basto a 18 de dezembro passado, que juntou 500 idosos, a uma tertúlia natalícia promovida pela Associação Coração Amarelo.
Se esse esforço não for eficaz, uma simples visita pode fazer toda a diferença, defende Marisa Galante. Para a coordenadora, fundamental é aquilo a que chama uma “escuta ativa” - ouvir atentamente o idoso e as suas preocupações de modo que este “sinta que há alguém que realmente o consegue entender”.
De forma semelhante, Stella Bettencourt da Câmara destaca a necessidade de uma “atividade cidadã” no combate à solidão. Isto é, a soma das atividades dos cidadãos enquanto comunidade - “o que cada um de nós pode fazer próximo daqueles que temos conhecimento que possam estar sós”.
“Nesta altura, ir até casa da pessoa, ligar-lhe, pôr-lhe um postal, por exemplo, na caixa do correio. Isto podem ser daquelas coisas que parecem muito básicas, mas que eventualmente podem fazer a diferença”, concluiu a investigadora.
Texto de José Gonçalves Neves, editado por João Cândido da Silva
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