“Agora, as pessoas não têm medo”: com vendas nos olhos e cordas ao pescoço, iranianos manifestam-se em Lisboa contra “regime assassino”
Manifestantes em frente à Assembleia da República
NUNO BOTELHO
Em frente à escadaria da Assembleia da República, cidadãos iranianos a viver em Portugal protestaram esta sexta-feira contra a repressão no país, palco de contestação há três meses. Apelidam o regime de “terrorista” e querem que Portugal dê voz à situação
Há 36 anos, em plena guerra entre o Irão e o Iraque, os pais de Ashkan decidiram enviá-lo para Portugal. Agora, aos 50, é um dos membros da comunidade iraniana no país que se reuniram nesta sexta-feira em frente à Assembleia da República, em manifestação contra a situação que se vive no Irão, onde os protestos decorrem desde setembro.
“As barbaridades que estão a ser feitas e a forma como o povo está a ser esmagado revoltam-me e tiram-me o descanso. Por isso é que estou aqui”, conta ao Expresso, enquanto usa uma corda pendurada ao pescoço, simbolizando uma forca.
Ashkan vive em Portugal desde os 14 anos
NUNO BOTELHO
Um dos objetivos é condenar a execução pública, na última semana, de dois jovens iranianos detidos na vaga de protestos contra o Governo. Entre o julgamento e a execução de Mohsen Shekari e Majidreza Rahnavard, ambos com 23 anos, passaram três semanas. Segundo as autoridades iranianas, Shekari feriu um guarda e Rahnavard esfaqueou dois membros das forças de segurança.
Além das cordas, os manifestantes usam vendas nos olhos e têm a cara pintada com as cores da bandeira do Irão, enquanto erguem cartazes pelas vítimas dos protestos. Para Sahar, o Governo do seu país é “terrorista”. “Eles matam, roubam, prendem. Executam jovens que procuram a liberdade. Fazem tudo em nome do Islão”, afirma a iraniana de 31 anos. Em Portugal desde 2018, Sahar destaca ainda a situação “muito difícil” das mulheres no Irão. “Não têm nenhum direito.”
A agitação no Irão começou há três meses, após a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, que foi detida pela polícia de moralidade com base nas leis do código de vestuário obrigatório da República Islâmica. As manifestações transformaram-se numa onda de revolta popular e têm sido reprimidas com violência pelas autoridades. De acordo com as Nações Unidas, já morreram mais de 300 pessoas.
NUNO BOTELHO
Iranianos perderam o medo
Ao som de músicas iranianas a sair de uma coluna colocada na escadaria do Parlamento, Roham, 34 anos, aponta ao Expresso que as execuções “não são algo novo” no Irão. “A questão é que, agora, as pessoas não têm medo”, salienta. “Este regime brutal prende os que protestam, ameaçam-nos e estão a executá-los em público, no meio da cidade. As execuções servem para causar medo.”
Das ocasiões em que visitou o Irão desde que veio para Portugal, Ashkan recorda precisamente a sensação de medo. “Das duas vezes que voltei, sentia sempre a presença de medo, de estar a ser observado”, relembra. “Agora não, o povo já perdeu esse medo, o povo sai às ruas. O que sinto é que era algo impossível de acontecer há alguns anos porque estava instalado um medo muito grande.”
Roham, iraniano de 34 anos, com a carta entregue aos deputados
NUNO BOTELHO
O contacto com familiares ou amigos que se encontram no Irão quase não tem sido possível. “É muito difícil contactar com a minha família no Irão”, lamenta Sahar. “Quando falo com os meus familiares, a conexão é cortada. Ontem, por exemplo, a chamada caiu após 40 segundos”, conta Roham, acrescentando que “a maioria das aplicações e das redes sociais é filtrada” no país.
Sahar vive em Portugal desde 2018
NUNO BOTELHO
Apoio de Portugal
A concentração desta sexta-feira teve também como objetivo a entrega de uma carta aos deputados em que é solicitado “apadrinhamento político”. Ao “patrocinar prisioneiros políticos”, os “padrinhos políticos” utilizam a “autoridade governativa e política para ativamente desenvolver campanhas de proteção com vista à libertação do prisioneiro que apadrinharam”, lê-se no documento.
“Estamos aqui para pedir a Portugal que seja a nossa voz. O Governo português pode apoiar-nos e dizer nas Nações Unidas que temos de ajudar o povo do Irão a expulsar o Governo do país”, defende Sahar, com a bandeira iraniana – decorada com fotografias de cidadãos mortos nos protestos – como pano de fundo.
NUNO BOTELHO
“Queremos que Portugal expulse os diplomatas da República Islâmica do Irão. Eles não são os nossos representantes. São agentes deste regime assassino”, acrescenta Roham, enquanto Ashkan recorda o exemplo da “intervenção dos portugueses” na questão da independência de Timor.
Na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, disse estar “profundamente chocado” com a segunda execução de um manifestante no Irão. No encontro com os homólogos da pasta, em Bruxelas, o ministro defendeu mais sanções da União Europeia a Teerão. “Acredito que, durante estas próximas semanas, adotaremos medidas contra o Irão.”
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