Grupo sequestrou moradores de um prédio de Lisboa para traficar droga. Foram todos julgados e condenados, menos um: o líder continua por aí
A porta blindada era igual à de uma prisão: tinha ferrolhos em cima, em baixo e de lado, e um postigo que era aberto quando o cliente aparecia para comprar droga
NUNO FOX
Um grupo de traficantes foi condenado em tribunal por se ter dedicado à venda de cocaína e heroína numa rua do bairro das Olaias. Instalaram uma porta blindada num prédio para se protegerem da polícia e os moradores tinham de pedir autorização para entrar e sair. O cérebro da operação nunca foi detido ou julgado e nem sequer é formalmente procurado. Porquê?
A queixa é da juíza Ana Paula Conceição, do tribunal Criminal de lisboa: “Lamentavelmente, não foi possível julgar aquele que seria o principal responsável pela banca. O José Nobre.” A magistrada refere-se a “Granja” um suspeito de tráfico de droga que ainda não tem 30 anos e que no verão de 2021 geriu uma banca de tráfico de droga no lote 8 do Bairro João Nascimento Costa, perto das Olaias, que chegou a vender metade da cocaína e heroína que se traficava naquela zona de Lisboa.
Por decisão de “Granja”, o grupo montou uma porta blindada de seis trancas na entrada do prédio, impossibilitando a livre circulação dos moradores que tinham de pedir licença para entrar ou sair do prédio - e às vezes de esperar que uma qualquer transação de droga terminasse para poderem movimentar-se. Os vigias e vendedores do grupo ficavam com as cartas entregues pelo carteiro, que não tinha autorização para passar a porta de aço blindado com um postigo que só se abria para atender os compradores com um mínimo de €10 para investir em droga.
Apesar de ser o principal acusado no processo e de ter sido apanhado em dezenas de operações de vigilância da PSP, “Granja” não foi julgado porque desapareceu do bairro onde morava e nunca foi notificado do início do julgamento. Segundo o acórdão do Tribunal Criminal de Lisboa a que o Expresso teve acesso, “foi declarada cessada a conexão processual e separado o processo relativamente a este arguido, dado não ter sido possível a sua notificação”. Ou seja, as autoridades terão de tentar notificá-lo outra vez para o poder julgar. Formalmente, nem sequer é um homem procurado pela polícia e o seu nome não consta de nenhum mandado de detenção.
Os crimes do passado
Já com cadastro por crimes menores, “Granja” foi detido umas semanas antes da instalação da banca quando liderou uma expedição armada a um bairro vizinho onde operava um grupo rival. A polícia conseguiu impedir o confronto porque uns agentes que vigiavam o tráfico aperceberam-se da movimentação e deram o alerta. “Granja” foi então detido e libertado.
A banca funcionou durante dois meses e a porta blindada esteve instalada 56 dias. No dia em que uma operação policial desmantelou o grupo, “Granja” desapareceu de circulação. A PSP ainda conseguiu notificá-lo da acusação depois de o intercetarem numa operação de rotina. Mas nunca conseguiram avisá-lo de que iria ser julgado. Contactado pelo Expresso, o advogado que consta do processo como seu defensor oficioso garante que “nunca” falou com o cliente.
No total, foram acusados 12 arguidos. “Granja” era o líder incontestado e gerente eficaz, descrito por um dos operacionais do grupo como alguém que “andava sempre a controlar”, mas “nunca tocava em nada”. Ou seja, em droga. O resto do grupo era formado por vendedores e vigias que gritavam “uga” sempre que a polícia se aproximava. A banca funcionava 24 horas por dia e cada funcionário fazia um turno diário de 12 horas. Por regra, eram pagos em droga.
Na altura em que foi desmantelado pela PSP, o grupo já se tinha expandido para um bairro vizinho onde instalou uma banca também protegida por uma porta blindada, embora menos sofisticada.
Para entrar no lote 8, a polícia acedeu a uma porta corta-incêndios do telhado, cortou a corrente que a fechava e surpreendeu o grupo por trás. Três dos detidos forcaram em prisão preventiva e, durante o julgamento, alguns confessaram mesmo os crimes de que vinham acusados.
O julgamento acabou no final de novembro e todos os acusados foram condenados pelo tribunal que suspendeu a grande maioria da execução das penas por considerar que se tratava de “pequeno tráfico” cometido por “traficantes consumidores”. Quatro arguidos foram condenados a penas efetivas. A mais alta é dois anos e meio de prisão. Ninguém foi julgado pelo sequestro porque apesar de a PSP ter descrito um “clima de terror” nos relatórios oficiais, nenhum dos moradores testemunhou ter sido impedido de entrar ou sair do prédio. Um dos advogados chegou a sugerir que “instalar uma porta blindada não é crime".
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes