Sociedade

Imigração: Provedora de Justiça admite "problemas graves" na demora nas autorizações de residência

Imigração: Provedora de Justiça admite "problemas graves" na demora nas autorizações de residência

Habitação social e atrasos no pagamento de reformas continuam a ser os principais motivos de queixas junto da Provedoria de Justiça. Mas demora nas autorizações de residência a imigrantes é “fenómeno novo” que “impressiona” provedora. Em entrevista à agência Lusa, Maria Lúcia Amaral vê como importantes alterações à Constituição e admite sobrelotação das prisões

A demora nos processos relativos aos pedidos de autorização de residência dos imigrantes e cidadãos estrangeiros é um “problema grave” e uma “área muito sensível” que tem “impressionado muito” a Provedora de Justiça pela quantidade de queixas que tem recebido. Em entrevista à agência Lusa, Maria Lúcia Amaral comenta ainda a pertinência de algumas alterações que o Parlamento se prepara para fazer à Constituição, nomeadamente no caso dos metadados e na lei de emergência sanitária, embora considere que “não era necessário” mexer na lei fundamental.

“As pessoas, enquanto não têm autorização de residência não têm muitas outras coisas e isso é um problema grave, um problema que tem vindo a crescer”, disse Maria Lúcia Amaral em entrevista à agência, acrescentando que “Portugal tem um problema e uma responsabilidade” para com “as pessoas que entram”. “Precisamos de imigrantes que vêm trabalhar connosco e depois tardamos, demoramos muito tempo a regularizar a sua estada em território nacional”, comentou, referindo que este é um dos “fenómenos novos” que originam queixas, a par com a questão da habitação social.

Atualmente, há mais de meio milhão de pessoas legalizadas a viver no país, um número que reflete “uma nova realidade” e que nunca foi tão elevado como agora. “Até agora, nós temos tido capacidade para intervir (…) e ajudamos as pessoas nos casos concretos e é por isso que cada vez vêm mais pessoas. É uma coisa muito impressionante, que me impressiona imenso”, confessou.

Maria Lúcia Amaral revelou que, apesar de a maioria das queixas ser feita por via digital, no caso dos imigrantes, estes optam por se deslocar presencialmente às instalações da Provedoria de Justiça, na Lapa, em Lisboa. Daí que esteja em preparação uma mudança das instalações da Provedoria de Justiça para uma zona central de Lisboa e perto de uma “boca de Metro”, para facilitar o acesso.

Ainda assim, a provedora de Justiça confirma que a habitação social continua a ser um dos principais motivos de queixas, muitas delas relacionadas com dificuldade de compreensão e de aceitação das decisões tomadas neste domínio, tanto pela administração central, como pelas autarquias. O mesmo acontece com as queixas relacionadas com a Segurança Social, mantendo-se em grande número as queixas devido à lentidão na atribuição das pensões de reforma.

“Em 2018, 2019, era uma coisa brutal. Chegaram a ser mais de 30% do total das queixas. Continuam a ser muito importantes, mas já não são tão maioritários quanto eram”, recordou. Ainda assim, frisou que “as questões da Segurança Social continuam a ser determinantes” por outro “motivo muito importante” e que tem a ver com o facto de não haver uma entidade reguladora do setor que defenda as pessoas, ao contrário do que acontece na saúde, pelo que estas estão mais vulneráveis.

Revisão constitucional “pode resolver alguns problemas”

Um outro tema abordado na entrevista foi o processo de revisão constitucional que vai ser aberto no Parlamento, com a provedora de Justiça a admitir que não seria necessário mudar a lei fundamental, mas que pode ser útil “para resolver alguns problemas”. É o caso da lei de emergência sanitária e da uilização de metadados nas investigações judiciais.

“É bom que se esclareça. Passámos por uma pandemia, eu aí fui eco de muitas dessas dúvidas e tive uma política claramente definida. Havia muitas dúvidas em saber se as medidas que foram tomadas fora do estado de emergência tinham ou não suficiente respaldo na Constituição. Era bom que isso ficasse resolvido”, disse.

Nas suas palavras, esta revisão deverá servir igualmente para esclarecer a questão dos metadados. A polémica dos metadados surge após o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucionais normas que determinavam que os fornecedores de serviços telefónicos e de internet deveriam conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal. Nesse contexto, Maria Lúcia Amaral observou que, a haver revisão constitucional, esta deverá ser uma revisão “esclarecedora”, “pacificadora” e que “antecipe problemas futuros”.

“Se há grandes dúvidas na comunidade portuguesa sobre a falta que uma clareza constitucional faz sobre isto, então é bom que se esclareça”, concluiu.

Já sobre o funcionamento do sistema prisional, a provedora de Justiça defendeu que o tema tem sido acompanhado de perto pelo Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), mas reconheceu que ainda há estabelecimentos prisionais com problemas graves de sobrelotação, nomeadamente o estabelecimento prisional de Lisboa e do Porto. Os problemas têm sido identificados sobretudo nas “visitas sem aviso prévio” que o organismo tem feito às prisões para “prevenir situações de tortura, maus-tratos ou outros abusos”.

“O acompanhamento do sistema prisional português adquiriu uma outra densidade e uma outra dimensão por causa desta nova realidade que é a existência de um mecanismo nacional de prevenção que tem por mandato imperativo o acompanhar de muito perto, de muito perto, tudo o que acontece em lugares onde haja pessoas privadas de liberdade e o exemplo por excelência é o estabelecimento prisional”, disse.

Maria Lúcia Amaral lembrou que em todas as cadeias os reclusos têm disponível o número de telefone da Provedoria de Justiça, o que explica que continuem “a receber queixas de reclusos”. “Há muitos que telefonam para cá a apresentar queixas”, adiantou. Na sua opinião, “não existe, em termos absolutos, sobrelotação” nas prisões portuguesas, mas alertou que o problema persiste em algumas cadeias de maior dimensão.

“O Estabelecimento Prisional do Porto, que tem problemas graves de sobrelotação, como tem o de Lisboa”, apontou. De acordo com os dados mais recentes da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, havia 12.618 reclusos, distribuídos por 49 cadeias.


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