A esta hora, já terá de ter sido ultrapassada a dicotomia do “sim” e “não” quanto à lei da eutanásia. Perante uma maioria parlamentar a garantir a aprovação do documento, como já sucedeu por três vezes, na próxima fase é preciso garantir a necessidade de uma regulamentação da lei que permita o mínimo de erros possível.
O novo documento, votado na próxima semana, tentou harmonizar as várias propostas partidárias e, na opinião da Ordem dos Psicólogos, tem uma mudança fulcral: o acompanhamento psicológico da pessoa durante todo o processo, a não ser que o “rejeite expressamente”.
Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos, que tem acompanhado o processo legislativo desde o início, assegura que, no decurso de uma tomada de decisão de tamanha complexidade, “o apoio psicológico permite aumentar a segurança da pessoa”.
Não se quer, com este apoio, mudar o resultado final – nem o psicólogo deverá partilhar o conversado nas sessões. Só que “a pessoa passa a ter um espaço onde sabe que, diga o que disser, nada poderá ser usado contra ela”. E isso, nas palavras do psicólogo clínico e professor de Ética na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, permitir-lhe-á perceber melhor a própria decisão, num espaço mais distante dos familiares e dos amigos, “que têm conflitos de interesses, nem que seja porque gostam muito da pessoa”.
Outra das alterações basilares que constam da nova proposta de lei é um período mínimo de dois meses entre a abertura do processo, no caso de pedido de eutanásia, e a morte, pode ler-se na alínea cinco do artigo 4º.
É algo que, na opinião de Miguel Ricou, continua a falhar para os casos de pessoas com lesão definitiva de gravidade extrema, cuja morte não é iminente. O psicólogo crê que a tomada de decisão nestes casos é diferente e poderá carecer de um tempo mínimo superior do que nos casos em que o “sofrimento de grande intensidade” ocorre por via de uma “doença grave e incurável”.
“Seis meses seria um período a ser considerado por ser o prazo normalmente associado a processos de luto sérios”, acrescenta.
“Não fica claro se o profissional pode falar na eutanásia como opção”
A última versão do texto, que irá a votação final na quinta-feira, deixa, porém, algumas questões a serem determinadas na altura da regulamentação.
Uma das mais assinaláveis, para Miguel Ricou, é que, enquanto fica claro ser necessário um pedido por escrito por parte do doente, “não fica claro se o profissional de saúde pode falar na eutanásia como opção”, quando abordar as hipóteses terapêuticas.
Também não é claro que o acompanhamento psicológico, feito obrigatoriamente por um psicólogo especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, tenha de ser dado pelo Sistema Nacional de Saúde. Por omissão, impõe-se a entrada do setor privado e social nesta faceta do processo, como nas outras. Caso contrário, a falta de psicólogos no SNS não permitiria responder aos pedidos.
A Miguel Ricou não parece que a lei, clara quanto à possibilidade de objeção de consciência por parte dos médicos, dê “garantias dessas” aos psicólogos.
Desde logo, porque a natureza do trabalho é diferente. Mas também não se afigura que vá haver um número relevante de psicólogos que se oponham a acompanhar um doente que pede eutanásia. “Um psicólogo tem de trabalhar com os valores da pessoa e colocar os seus de lado. Quem trabalha nesta área sabe que não há valores absolutos”.
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