Alterações climáticas: “o grande problema de Portugal serão os fogos florestais e falta de água na agricultura”
Albufeira de Castelo de Bode na aldeia do Mato, distrito de Santarém
Nuno Fox
As quatro maiores secas que afetaram todo o país ocorreram nos últimos 20 anos, incluindo neste. É o resultado de menos chuva, temperaturas acima do normal e ondas de calor intensas. O futuro é pior, antecipam os climatologistas: “Vamos ter cerca de 60 dias de ondas de calor por ano, quando atualmente temos cinco ou seis”. Por causa do tempo quente e seco, há já agricultores a substituir culturas por outras mais resistentes ao stress térmico e hídrico
Tempo mais quente e seco, com ondas de calor frequentes e longas, e incêndios florestais críticos. É este o clima que podemos esperar em Portugal — e que é compatível com chuvas intensas capazes de provocar cheias, como aconteceu em Lisboa esta segunda-feira à noite. A forte precipitação inundou as principais ruas da capital, onde se verificaram 120 ocorrências, segundo os Bombeiros Sapadores da cidade.
“Quando chove muito intensamente, a água não escoa porque a superfície está impermeabilizada”, diz o climatologista Alfredo Rocha ao Expresso. “Em Lisboa vão construir uma série de canais subterrâneos de drenagem das águas pluviais para evitar estas situações”, acrescenta. No entanto, enquanto o Plano Geral de Drenagem de Lisboa não arranca (as obras só começam em janeiro), entupimentos nos algerozes, tubos e no escoamento das águas pluviais causam cheias na capital.
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Para o professor de meteorologia e climatologia da Universidade de Aveiro, “o grande problema de Portugal serão os fogos florestais e falta de água na agricultura” — até porque dependemos de Espanha na disponibilidade hídrica dos rios. “Ao nível dos fogos, as zonas mais críticas sem dúvida são o interior e centro norte, onde há mais calor e combustível para arder. Em termos de falta de água, é mais preocupante o Alentejo e o Algarve”, considera Alfredo Rocha.
Portugal tem “fatores mais propícios” aos incêndios florestais do que outros países com climas mediterrâneos, como Espanha, França, Itália ou Grécia. Segundo o também investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, “estamos virados para o Oceano Atlântico de onde vêm os ventos dominantes”, além de termos “muita vegetação” e “uma orografia complexa”, com “montanhas apertadas e juntas” que dificultam o acesso e o combate às chamas.
Já a falta de água e o tempo mais quente vão determinar que muitas culturas agrícolas sejam substituídas por outras mais resistentes ao stress térmico e hídrico. “Muitos agricultores já têm consciência disso e têm andado a mudar tipos de cultura, por exemplo, a vinha”, nota ainda Alfredo Rocha. Isto pode significar que, num futuro não assim tão longínquo, teremos uma agricultura menos variada.
Quatro maiores secas foram nos últimos 20 anos
Não é coincidência: as quatro maiores secas que afetaram Portugal inteiro, nas duas escalas mais graves, foram todas nos últimos 20 anos. Quem o diz é o geofísico Ricardo Trigo. E a principal razão não é a diminuição da chuva, “é porque a temperatura do ar é muito mais elevada, há muito mais ondas de calor e há muito mais água que é evaporada”. Não é só chover menos, é evaporar mais, vinca o especialista em Variabilidade e Extremos Climáticos no Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Grande parte da água que cai entre o inverno e a primavera é evaporada antes da estação mais quente. “Chegamos ao verão já com um stress agrícola, vegetativo e hídrico brutal”, tal como aconteceu este ano. Devido à seca e aos fogos florestais, os solos ficam menos capazes de absorver grande parte da água, quando a precipitação é intensa. Por vezes, a chuva até provoca grande erosão dos solos, “como se vê na Serra da Estrela a seguir aos incêndios”, lembra Ricardo Trigo.
As ondas de calor frequentes e longas serão outro desafio. “Daqui a poucas décadas vamos ter cerca de 60 dias de ondas de calor por ano, quando atualmente temos cinco ou seis”, alerta Alfredo Rocha. E a população idosa, como é mais frágil, é quem mais vai sofrer as consequências destes eventos climáticos extremos. “Além da consciencialização junto das pessoas, que têm de se hidratar e proteger do calor, os serviços de urgência dos hospitais terão de se adaptar a uma nova realidade”, avisa o professor da Universidade de Aveiro.
Portugal continental e Açores mais na mira de furacões
As alterações climáticas também vão colocar os Açores e a Península Ibérica mais na mira dos furacões que se formam nos trópicos e sobem em latitude, uma vez que a temperatura da água do mar está mais elevada e isso ‘alimenta’ os ciclones tropicais. “Na zona dos Açores e Península Ibérica há poucos, mas há mais intensos do que havia antigamente. Basta pensar no Danielle este ano, ou no Leslie em 2018 que entrou pela Figueira da Foz e Aveiro e causou muitos estragos”, recorda Ricardo Trigo.
A aproximação de furacões mais intensos pode ser particularmente grave tendo em conta que podem vir associados a outros fenómenos. O climatologista dá o exemplo dos incêndios de outubro de 2017, em Portugal, que foram potenciados pela passagem do ciclone tropical Ophelia. “Fez com que os ventos fossem muito intensos de sul para norte” e, consequentemente, “ardeu tudo a uma velocidade inacreditável”, diz ainda o especialista. E é taxativo: “Aqueles estragos foram brutais e se não tivesse havido o furacão não teriam sido brutais — essa é a realidade”.
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