Por montes e valas a caminho de Compostela

Depois de três dias em todo-o-terreno, ou seja percorrendo caminhos de terra só acessíveis a viaturas 4x4, os participantes no Off-Road Bridgestone First Stop Caminho de Santiago 2022 chegaram a Compostela
Depois de três dias em todo-o-terreno, ou seja percorrendo caminhos de terra só acessíveis a viaturas 4x4, os participantes no Off-Road Bridgestone First Stop Caminho de Santiago 2022 chegaram a Compostela
O Caminho de Santiago não é só uma rota cultural europeia e uma referência para caminhantes, peregrinos e amantes da natureza. Corresponde a uma tradição que sedimentou ao longo dos séculos e deixou múltiplas marcas, umas físicas, outras intangíveis. Na Praça da Erva em Viana do Castelo, onde hoje se situa o posto de turismo, existiu durante séculos o Hospital dos Peregrinos.
Foi justamente de Viana que os participantes no Off-Road Bridgestone First Stop Caminho de Santiago 2022, promovido de 1 a 4 de Outubro pelo Clube Escape Livre, partiram, segunda-feira 3, para a derradeira etapa a caminho de Compostela. Não pelo caminho mais directo (que seria em linha recta para Caminha ou Valença) mas percorrendo as cumeadas da serra de Santa Luzia, entre arvoredo, prados onde pastam garranos, vacas e cabras, sempre com vistas grandiosas. Primeiro a caminho de Orbacem e de São Lourenço da Montaria e depois com destino a um lugar intermédio de peregrinação, o mosteiro de São João de Arga que, não tendo os pergaminhos da cidade galega, não deixou ao longo dos séculos de mobilizar multidões, pelo menos no Alto Minho. Um lugar especial, a meia encosta, rodeado por carvalhos e castanheiros, com uma atmosfera mágica.
Feito este desvio que por si só já teria valido o passeio, seguiu-se a entrada em terras galegas. E que entrada! Passada a ponte internacional de Vila Nova de Cerveira (longe vão os tempos em que se cruzava o rio Minho de batelão), uma sucessão de estradas secundárias e caminhos rurais levou-nos ao miradouro do Ninho do Corvo, de portentosas vistas. Dali, para onde quer que olhemos é o deslumbramento: o Monte de Santa Tecla, Caminha e o Forte da Ínsua enquadrando a foz do Minho; as verdejantes margens do rio junto a Vila Nova de Cerveira e imediatamente a leste as serranias que correm de Vilar de Mouros a Valença e ao Monte do Faro. Apenas um conselho, caro leitor: não tente fazer esta subida com o seu belo carrinho porque não vai conseguir passar onde os jipes passaram. Mas pode sempre meter pernas ao caminho e trepar o monte. Há subidas que são penitentes mas gratificantes e algum exercício nunca faz mal…
Atravessada uma vasta área florestal, visivelmente mais ordenada, vigiada e protegida que a maior parte das suas congéneres portuguesas (parabéns à engenharia florestal galega), seguiu-se a descida para a beira-mar através de uma sinuosa estrada asfaltada a caminho do mosteiro de Oia, ponto alto do Caminho Português da Costa para Santiago. Se as vistas anteriores eram portentosas, estas não lhe ficam a dever: sucessivos panoramas sobre uma estreita planície costeira fazendo inevitavelmente lembrar as fajãs açorianas.
Numa língua de terra à beira-mar, ergue-se um vasto mosteiro que pertenceu à Ordem de Cister e em cujo hospital e hospedaria se acolhiam e reconfortavam os peregrinos lusos já na derradeira jornada para Compostela (a cerca de 80 km). Não vos posso dizer muito sobre o interior do templo pois estava a servir de cenário a um filme de ficção, ou seja, como tantos outros monumentos, estava a ser vítima da sua própria fama…
Ao fim de uma hora de carro, agora por auto-estrada, que também serve para alguma coisa, a chegada a Santiago de Compostela e à sua catedral, abrilhantada na perspectiva de mais um Ano Santo. Já não se pode, como antigamente, colocar a mão ou a testa na imagem do apóstolo esculpida no pórtico da Glória à entrada do templo por razões ligadas à conservação da pedra. Mas também já não é obrigatório fazer vigília antes da entrada na catedral e muito menos queimar ritualmente as roupas usadas na peregrinação. Uma jornada que como em todos os anos santos terminará com a cerimónia do Bota Fumeiro de que amanhã vos falarei na última crónica desta série.
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