Sociedade

Da Cabreira ao Gerês pelos caminhos velhos

Garranos e paisagens de montanha na travessia da Serra da Cabreira
Garranos e paisagens de montanha na travessia da Serra da Cabreira
Clube Escape Livre

A segunda etapa do Off-Road Brigestone First Stop Caminho de Santiago 2022 atravessou domingo dia 2 de Outubro montes e vales do Minho, percorrendo caminhos por onde passaram legionários romanos, peregrinos medievais, romeiro e pastores

O Caminho Português de Santiago é um feito de muitos. Junta itinerários usados pelos nossos antepassados para ir às feiras e romarias ou deslocar o gado à procura de pastos mais favoráveis. Por ali passaram almocreves que comerciavam de terra em terra e antes destes soldados romanos, cavaleiros medievais ou gente diversa, tanto nobre como comum.

Neste segundo dia de viagem (domingo 2 de Outubro), desenvolvido entre Ribeira de Pena e Viana do Castelo, a caravana motorizada organizada pelo Clube Escape Livre passou nalgumas das maiores jóias do património e da natureza do Minho: o santuário de Nossa Senhora do Viso (Celorico de Basto), a aldeia típica de Agra (Vieira do Minho), os santuários de São Bento da Porta Aberta (Terras do Bouro) e de Nossa Senhora da Abadia (Amares) e o mosteiro de Tibães (Braga).

Mosteiro de Tibães, um caso exemplar de recuperação de património

Miradouro sobre o Tâmega

A capela do Viso, a oeste de Celorico de Basto, é cenário de uma concorrida romaria a 8 de Setembro. É um monte santo, referenciado desde o tempo dos romanos, do topo do qual se avistam o Vale do Tâmega, o monte cónico da Senhora da Graça e ao fundo, para leste e sueste, as serras do Alvão e do Marão. Esta manhã, alem dos participantes no passeio 4x4 havia ciclistas, caminhantes, caçadores e gente diversa a gozar um domingo ensolarado. Por ali passaram multidões nos tempos áureos do Rali de Portugal e porventura gente menos recomendável, já que uma placa de mármore aparafusada numa das paredes ao lado da caixa das esmolas avisa: “Por favor não rebentem as portas, aqui não há dinheiro…”

A caminho da serra da Cabreira os participantes no passeio a Santiago de Compostela promovido pelo Clube Escape Livre fizeram o mais óbvio e divertido dos itinerários: o troço da Lameirinha do Rali de Portugal, famoso pelos seus dois saltos (Pereira e Pedra Sentada) e pela sinuosa descida do Confurco, cruzando o asfalto nas imediações de Várzea Cova.

Como aperitivo para as paisagens da Cabreira, a passagem pela aldeia de Agra, cheia de ruas sinuosas, calçadas e casas típicas de granito. E alguns comércios modernos (bares, restaurantes, artesanato, turismo rural, etc.) porque, ao contrário das grandes cidades onde está a ter notórios efeitos perversos, o turismo é uma bênção para locais como estes.

Trilhos dos romeiros

Para atravessar as cumeadas da serra da Cabreira e apreciar os bosques, clareiras e margens de regatos poupados pelos incêndios florestais nada melhor que outros caminhos históricos: a rede de estradas dos extintos Serviços Florestais que, embora imbuídos de uma visão autoritária e centralizadora, fizeram uma obra notável, à qual um conglomerado de serviços sem motivação, meios nem estratégia – o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – não deu continuidade. Tal como em Fafe e Celorico, os estradões dos “florestais” servem utilizadores locais e visitantes diversos e são também cenário de troços famosos do Rali de Portugal como Cabeceiras de Basto ou Vieira do Minho.

O último troço em terra desta jornada de domingo uniu dois famosos santuários e locais de romaria: São Bento da Porta Aberta nas margens da albufeira da Caniçada (com um afluxo verdadeiramente impressionante de romeiros este domingo) e Nossa Senhora da Abadia a meia encosta da serra do Gerês. Um caminho de romaria liga os dois santuários através da serra. Apesar destes tempos de seca, as últimas chuvadas escalavraram os troços mais inclinados: é bom para quem queira evidenciar os seus dotes de condução em todo-o-terreno, mas um pouco de conservação e de restauro deste caminho ancestral não custaria uma fortuna e traria ganhos, seja para quem passeia por ali, seja para ajudar à vigilância, detecção e combate a incêndios.

Conservação e restauro foi o que não faltou no último ponto de visita deste domingo: o portentoso mosteiro beneditino de Tibães, às portas de Braga. Em meados de 1989, quando pela primeira vez o visitei, também a caminho de Compostela, apresentava-se num estado de degradação que bradava aos céus, sendo então propriedade particular. Adquirido posteriormente pelo Estado, tem vindo a ser recuperado e valorizado de forma exemplar. Um caso que merece referência, até pela sua raridade num país que tantas vezes despreza o património herdado das gerações anteriores. E matéria de reflexão para aqueles que acham que não é precisa administração pública nem intervenção estatal, tudo se devendo deixar ao cuidado dessas entidades de contornos mal definidos, vulgarmente designadas como “mercados”.

Segunda-feira, 3 de Outubro, será o derradeiro dia de viagem, com passagem do rio Minho e entrada em território galego a caminho de Compostela, assunto de que vos falarei na crónica de amanhã.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RCardoso@expresso.impresa.pt

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