Exclusivo

Sociedade

Afinal, o que é o Langya, o novo vírus identificado na China? Os sintomas “são comuns a uma virose” e uma pandemia “é muito pouco provável”

Afinal, o que é o Langya, o novo vírus identificado na China? Os sintomas “são comuns a uma virose” e uma pandemia “é muito pouco provável”
BSIP / Getty Images

“Não é um vírus adaptado ao ser humano” e os sinais clínicos “não inspiram muitas reservas”, tranquiliza o virologista Pedro Simas em entrevista ao Expresso. No entanto, adverte o especialista, “uma pessoa infetada produz quase tantas replicações do vírus como o número de estrelas existentes numa galáxia e, a cada vez que se replica, pode haver a introdução de uma mutação” que possibilite a transmissão comunitária

Um grupo de investigadores detetou um novo vírus, responsável por, pelo menos, 35 infeções em humanos identificadas na China entre 2018 e 2021. Chama-se Langya e pertence ao grupo dos paramixovírus, apresentando características comuns aos vírus Hendra e Nipah, ambos com uma elevada taxa de letalidade.

Ao longo dos últimos quatro anos, a equipa de cientistas estudou aprofundadamente estes casos, através de uma técnica de sequenciação metagenómica. Os dados obtidos foram publicados na revista científica “The New England Journal of Medicine”.

A Direção-Geral da Saúde garante estar em articulação com as autoridades de saúde internacionais e aguarda mais informação da Organização Mundial da Saúde sobre eventuais medidas a considerar.

Em entrevista ao Expresso, o virologista Pedro Simas, diretor do instituto Católica Biomedical Research Centre, traça o perfil do Langya e avalia o seu grau de risco.

Como foi identificado este novo vírus?
Os primeiros casos surgiram em 2018 e foram identificados por um sistema mundial de vigilância sentinela. Foram descobertos em pessoas que tiveram contacto recente com animais.

Sempre que aparecem casos típicos de uma infeção viral, que não se sabe o que é, utiliza-se uma técnica forense de sequenciação metagenómica, para identificar ácidos nucleicos que possam apontar para a existência de um novo vírus.

Por que motivo é que estes 35 casos identificados na China demoraram quatro anos para serem divulgados?
Isto foi reportado logo em 2018 às autoridades, mas só agora é notícia porque, durante estes anos, os investigadores estiveram a estudar estes casos e só agora é que obtiveram um conjunto de dados que podem ser publicados e revistos pelos pares. Os artigos científicos demoram tempo para serem publicados, portanto é um processo completamente normal.

O Langya pertence ao género dos henipavírus. O que os caracteriza?
É um dos vários géneros do grupo dos paramixovírus, pertencentes à família Paramyxoviridae. Esta família é muito bem conhecida há bastante tempo e inclui o vírus do sarampo, da papeira, os vírus parainfluenza ou o metapneumovírus. Há também um outro, muito comum nos cães, que é o vírus da esgana.

Chama-se henipavírus porque tem características de dois vírus que já provocaram infeções em seres humanos: o Hendra e o Nipah. “Henipa” é a junção dos nomes desses dois vírus: He (de Hendra) + nipa (de Nipah), mas não se trata de uma fusão. É apenas mais um vírus deste género, que apresenta características genómicas semelhantes às desses dois vírus, que já provocaram surtos no passado e por isso preocupam.

O vírus Hendra teve origem na Austrália. Saltou dos morcegos para os cavalos e dos cavalos para os humanos, com uma taxa de letalidade que pode chegar aos 57%. Já o primeiro surto de Nipah surgiu na Malásia e é potencialmente mais letal, com uma taxa de mortalidade que pode atingir os 70%. Passou dos morcegos para os porcos e dos porcos para os humanos. Tanto o Hendra como o Nipah são muito virulentos.

Por ter características do Hendra e do Nipah, o Langya pode também vir a ter uma taxa de mortalidade elevada?
Ainda não há qualquer morte reportada. Ao contrário do Hendra e do Nipah, que tinham uma elevada taxa de mortalidade, com este vírus isso não se verifica.

Os casos detetados são preocupantes?
O que é importante dizer às pessoas é que não há transmissão entre humanos e que as infeções foram espaçadas no tempo. Nada tem a ver com o que aconteceu com o SARS-CoV-2, que quando surgiu provocou imediatamente um surto enorme em Wuhan.

Aqui são infeções zoonóticas ocasionais [transmitidas de animais para pessoas], em que os vírus não estão adaptados para a transmissão entre humanos. Então, normalmente, aquilo morre ali e são fenómenos locais.

Existe por isso menos probabilidade de gerar uma epidemia ou mesmo uma pandemia?
É muito pouco provável. Há sempre a possibilidade teórica remota de uma infeção zoonótica acidental estar associada a uma mutação ideal para a disseminação entre humanos. Esse é o grande receio, mas 35 casos identificados em quatro anos é um bom cenário, ainda que reservado.

Não é um vírus adaptado ao ser humano, mas podem surgir subtipos, com mutantes, que podem saltar a barreira da espécie. Uma pessoa que esteja infetada e não esteja medicada produz quase tantas replicações do vírus como o número de estrelas existentes numa galáxia. E, a cada vez que se replica, pode haver a introdução de uma mutação.

Quais são os principais sintomas?
Febre, tosse, fadiga, dores de cabeça e dores musculares, sobretudo. São sintomas comuns a uma virose. Estes sinais clínicos não inspiram muitas reservas. O vírus infeta, mas o sistema imunológico reage bem e estes sintomas são típicos de uma ação de resposta inflamatória ligeira.

Não é então provável que casos de Langya possam sobrecarregar os sistemas de saúde...
Como não há transmissão comunitária, esse risco também não existe.

Há alguma explicação para que tantos vírus tenham origem em morcegos ou pequenos roedores?
Todos os dias o ser humano está a ser infetado por vírus provenientes dos animais. Claro que os vírus transmitidos por animais com os quais evoluímos, como os cães ou os gatos, não têm uma probabilidade tão grande de causar problemas. Mas quanto mais contacto o ser humano tiver com habitats nos quais não evoluiu, mais probabilidade há de termos pandemias. Quase todas as pandemias têm origem em roedores ou morcegos.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: amcorreia@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas