Sociedade

Desafio do TikTok colocou Archie em morte cerebral. Apertar pescoço é reflexo de “comportamento destrutivo”, alerta pedopsiquiatra

Os pais de Archie Battersbee, Paul Battersbee e Hollie Dance, tentam reverter a decisão do Supremo Tribunal britânico, que quer desligar o suporte artificial de vida do seu filho de 12 anos, em morte cerebral após o "Blackout Challenge"
Os pais de Archie Battersbee, Paul Battersbee e Hollie Dance, tentam reverter a decisão do Supremo Tribunal britânico, que quer desligar o suporte artificial de vida do seu filho de 12 anos, em morte cerebral após o "Blackout Challenge"
Victoria Jones - PA Images

Apertar o próprio pescoço até desmaiar é o desafio do TikTok que colocou Archie Battersbee, um rapaz britânico de 12 anos, em coma desde abril. O chamado “Blackout Challenge”, seguido por várias crianças, pode espelhar uma “conduta de destrutividade”. A pedopsiquiatra Ana Vasconcelos lembra que é importante os pais “alertarem as crianças” para os riscos e perigos “quando estão nas redes sociais”, da mesma forma que os ensinam a não atravessar a rua sem dar a mão

Apertar o pescoço e suster a respiração até desmaiar por falta de oxigénio — mais conhecido no TikTok como “Blackout Challenge”. Foi este o desafio viral que colocou Archie Battersbee, uma criança de 12 anos na Inglaterra, em morte cerebral, em abril. O rapaz está em coma e a receber suporte artificial de vida desde então, mas as máquinas podem ser desligadas pelo hospital em breve — algo que os pais têm tentado impedir. O caso de Archie não é único: outras crianças têm imitado este desafio potencialmente fatal. Os pais devem estar atentos porque, como alerta a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos ao Expresso, estes atos podem espelhar uma certa “conduta de destrutividade”.

Uma criança com 12 anos já tem, à partida, uma certa “consciência moral” para perceber que apertar o próprio pescoço pode ser perigoso, e o facto de o fazer de forma voluntária pode ser reflexo de “atitudes e comportamentos destrutivos”, bem como de “atos comandados por uma reação a um mau estar psicológico”, afirma. Pode tratar-se de crianças “que são muito sensíveis ao desconforto emocional” e que procuram desta forma um certo “escape”. Por estes motivos, é importante saber qual o “histórico” da criança, continua Ana Vasconcelos, para saber se tem alguma perturbação do foro mental que possa motivar este tipo de comportamentos nocivos.

Além de Archie Battersbee que foi encontrado inconsciente em casa pela sua mãe, a 7 de abril, outras crianças estão a ser vítimas do “Blackout Challenge”. Foi o caso de, pelo menos, cinco crianças nos Estados Unidos, um rapaz na Austrália e uma rapariga em Itália — todos menores de idade que acabaram por não resistir aos danos causados por hipoxia cerebral (diminuição da concentração de oxigénio). Estes são apenas os casos conhecidos, estima-se que o número de vítimas seja maior.

“Alertar os miúdos é importante”

O desafio surgiu em 2008, mas continua viral. Segundo a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos, proibir o uso do TikTok não é a melhor solução, até porque as crianças têm outras formas de chegar às redes sociais e a estes ‘jogos’, por exemplo, quando estão com os amigos na escola.

Além de estarem atentos a sinais e comportamentos destrutivos por parte dos filhos, é importante os pais “alertarem as crianças quando estão nas redes sociais”, da mesma forma que os ensinam a não atravessar a rua sem dar a mão ou sem olhar para os dois lados, compara Ana Vasconcelos. “Alertar os miúdos é importante”, tal como informar e “dar argumentos” para que eles percebam os riscos e os perigos — as crianças “são inteligentes”, nota.

Caso é delicado e complexo

Archie Battersbee pode deixar de receber suporte artificial de vida em breve, apesar de os pais estarem a lutar para adiar a decisão do hospital onde o filho está internado. O Royal London Hospital, em Whitechapel, alega que o tratamento de suporte artificial de vida “não está de acordo com os melhores interesses da criança” — decisão que é apoiada pela justiça britânica. Por outro lado, os pais querem que o filho tenha uma morte natural e já disseram que “não vão desistir do Archie” e “vão continuar a lutar até ao fim”.

As máquinas deveriam ser desligadas esta quarta-feira e os pais apresentaram um pedido ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para adiar esta decisão, mas o tribunal já informou que não vai interferir no caso de Archie. Antes disso, a Organização das Nações Unidas, através do Comité sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, já tinha apelado a que o tratamento fosse mantido.

Como nota Ana Vasconcelos, o caso é delicado e complexo pois não está propriamente previsto na legislação nem na conduta médica. E levanta uma questão ética pertinente: “Até onde é que, por defesa dos pais, desligar as máquinas não pode ser prolongado”? Segundo a pedopsiquiatra, isso poderia ajudá-los a fazer o luto ou dar-lhes o tempo de que necessitam para lidar com a situação trágica.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: piquete@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas