24 fevereiro 2022 17:04
Isabel Bapalpeme com a mãe e os três irmãos, de 6, 11 e 16 anos, no pequeno apartamento que aluga no Barreiro. Foto Ana Baião
Chegou a Portugal, na terça-feira, a família da jovem guineense que aguarda um transplante de pulmão. A mãe e os três irmãos menores trouxeram consigo muitas saudades e pouco mais: tudo o que tinham coube em dois sacos de mão
24 fevereiro 2022 17:04
Foram oito anos sozinha no pequeno apartamento do Barreiro, mas esta semana a casa encheu-se de gente. Isabel Bapalpeme, a jovem guineense de 29 anos que precisa de um transplante de pulmão para sobreviver, tem finalmente a companhia da mãe e dos três irmãos menores, que chegaram terça-feira de Bissau. Só agora conheceu Brigite, a mais nova, de seis anos, e mal se lembrava de Biran e Salvia, de 11 e 16.
“Estou muito contente”, diz em esforço, esboçando um ténue sorriso. Mesmo com o oxigénio em débito máximo, falar custa-lhe cada vez mais. As palavras saem-lhe sumidas, com grande dificuldade. O cansaço é extremo, até quando passa o dia sentada. “Mas o mais difícil já está”, garante Isabel, porque o processo de vinda da família esteve longe de ser fácil ou célere. Desde 2018 que os médicos que a seguiam pediam a vinda urgente da mãe para a acompanhar. O seu estado de saúde não se compadecia com a solidão e o suporte familiar é um dos requisitos para o transplante. As cartas que o Centro Hospitalar Lisboa Norte enviou na altura para a Embaixada de Portugal em Bissau, com a descrição clínica do caso, nunca tiveram resposta e o visto acabou por ser negado.
Mas tudo mudou com a publicação da reportagem do Expresso, no mês passado, que denunciou a grave situação humanitária da jovem, que vivia sozinha no apartamento vazio, despido de móveis e conforto, a que estava confinada por necessitar de oxigénio 24 horas por dia, sem autonomia sequer para chegar ao fim da rua. O artigo gerou uma onda de solidariedade entre os leitores, que multiplicaram doações suficientes para mobilar a casa e pagar, através de uma angariação de fundos, as passagens de avião para a família. A nível diplomático, o processo de emissão dos vistos para a mãe e os irmãos também foi desbloqueado, com a intervenção direta do ministro dos Negócios Estrangeiros, que deu instruções à embaixada em Bissau para dispensar burocracias e atuar com a urgência que o caso requeria.

A mãe e os três irmãos menores de Isabel, terça-feira à noite, minutos depois de aterrarem no Aeroporto de Lisboa, acompanhados pelo primo Silvanio, que tem dado apoio à jovem nos últimos oito anos
Terça-feira à noite chegaram a Lisboa trazendo consigo tudo o que tinham. E tudo o que tinham cabia em dois pequenos sacos de mão. Lá dentro não havia roupa para os ajudar a enfrentar um inverno que nunca viveram. Nem material escolar ou brinquedos para os mais novos. Biran, de 11 anos, trouxe com ele um único carrinho. Brigite, que sonha com bonecas, não tem nenhuma. Nem canetas de cor com que um dia gostava de desenhar. Sálvia, a mais velha, de 16 anos, só quer regressar à escola e ter livros e um dicionário para estudar.
Sábado Bapalpeme, a mãe, não sente a falta de nada. Tudo o que pede, no pouco Português que fala, é saúde para Isabel. Nas últimas semanas o estado da filha agravou-se. A jovem tem tido cada vez mais episódios de hipóxia — uma situação que ocorre quando a quantidade de oxigénio transportada para os tecidos do corpo é insuficiente, causando sintomas como dor de cabeça, sonolência, suores frios e até desmaios. Ao Expresso, José Fragata, responsável pelo único Centro de Referência de Transplante Pulmonar do país, que funciona no Hospital de Santa Marta, reconhece a gravidade da situação e a urgência da realização do transplante, que aguarda o aparecimento de um órgão compatível.