A fusão não se faz a frio
O mundo está numa corrida à fusão nuclear. Será que ainda vai a tempo?
A fusão nuclear a frio promete gerar grandes quantidades de energia em dispositivos que podem ser usados num carro, num escritório ou até em fábricas, com custos diminutos e sem detritos radioativos. Mas tem um problema. “Seria fantástico encontrar forma de a fazer, mas não parece viável”, explica Bruno Gonçalves, diretor do Instituto Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN).
A maior das quimeras nucleares começou a ganhar forma na Universidade de Utah, EUA, pelas mãos de Martin Fleischmann e Stanley Pons. Em 1989, os dois investigadores anunciaram forma de fundir átomos à temperatura ambiente — que passou a ser conhecida por “fusão a frio” porque não exige os 150 milhões de graus celsius da “fusão a quente”. A euforia depressa se converteu em anátema, depois de a comunidade científica confirmar que não conseguia replicar os resultados divulgados pelos cientistas.
Hoje, a fusão a frio mantém-se como via de estudo pouco credível, que só é experimentada por quem quer pensar “fora da caixa”, mas a “fusão a quente” não parou de evoluir. E há mesmo quem acredite que possa salvar o mundo.
Orfeu Bertolami, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, lembra que a Humanidade terá de abandonar combustíveis fósseis e reduzir a temperatura do planeta em duas décadas. O reator nuclear DEMO, que promete multiplicar por 25 a energia injetada, é apontado como o primeiro que poderá ser usado para o abastecimento contínuo da população, mas só deve estar operacional em 2050. “O DEMO tem um investimento de 20 mil a 30 mil milhões de euros. Uma central elétrica da atualidade tem entre um quarto e metade desse custo”, explica Bertolami.
Ainda antes do DEMO, há um primeiro momento da verdade: em 2025, o reator ITER deverá começar a operar em Cadarache, França. Prevê-se que, nessa altura, consiga produzir 500 megawatts de energia em períodos máximos de uma hora. Não chega para abastecer um país, mas pode ser que, entretanto, haja quem encontre forma de o fazer. Até porque “há uma verdadeira corrida à fusão”, refere Bruno Gonçalves.
As centrais nucleares da atualidade produzem energia através da fissão de átomos. O processo ocorre em estruturas circulares que aceleram um neutrão até chocar com um átomo de urânio ou plutónio. A má fama destas centrais tem origem no facto de estes choques libertarem igualmente neutrões que têm de ser travados antes de chocarem com mais átomos pesados e gerarem reações descontroladas em cadeia.
A fusão também exige colisões, mas tem por objetivo juntar dois átomos. A combinação mais comum envolve átomos de deutério e trítio, que apanham uma “boleia” de plasmas até chocarem um com o outro. Desta colisão resulta a produção de energia, hélio e um neutrão que pode ser usado para produzir trítio. O que garante uma lógica de renovação: o deutério abunda na água do mar, mas a produção de trítio pode não superar as dezenas de quilos por ano.
Apesar da escassez de trítio e da instabilidade dos plasmas, Bruno Gonçalves não tem dúvidas de que o futuro passa pela fusão. “Produz detritos radioativos muito reduzidos, que rapidamente decaem e perdem a radioatividade”, conclui.
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