O projeto de lei que a bancada parlamentar socialista apresentou para alterar a organização e o funcionamento das ordens profissionais continua a merecer críticas por parte destas entidades. Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), considera que algumas das medidas são “paternalistas” e partem de um “princípio de desconfiança”.
“Algumas das medidas propostas, como a de supervisão, são medidas paternalistas, parecendo partirem de um princípio de desconfiança e podem atentar à autonomia das ordens, à credibilidade das instituições e, na linha final, ao interesse dos cidadãos”, diz o bastonário, citado num comunicado divulgado pela OPP.
No projeto-lei para limitar a ação das ordens profissionais que deu entrada esta semana no Parlamento, os socialistas propõem, entre outras medidas, que seja fixado um prazo máximo de 12 meses para a realização de estágios profissionais de acesso à profissão — estágios estes que têm de ser “justificadamente necessários” e exigidos “apenas quando o estágio profissional não faça parte integrante do curso conferente da necessária habilitação académica”.
O objetivo desta medida, lê-se na proposta, é “eliminar restrições injustificadas ao acesso às profissões reguladas”, estabelecendo-se, para isso, “limites claros quanto aos estágios profissionais e eventuais cursos de formação e exames, que não devem incidir sobre matérias já lecionadas e avaliadas pelas Instituições de Ensino Superior”.
Mas há mais medidas, nomeadamente no sentido de aumentar a fiscalização sobre estas associações profissionais. Um dos artigos da proposta, que tem a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, como primeira subscritora, refere especificamente que é da competência das ordens a “fiscalização sobre a atuação dos seus membros no âmbito das suas funções, para efeitos de exercício do poder disciplinar”, podendo ser estabelecidos protocolos “com os competentes serviços de fiscalização e inspeção do Estado” para esse efeito.
É destacada a necessidade de “reforçar as competências” e garantir a “independência e isenção” do órgão de supervisão das associações profissionais, devendo o órgão disciplinar das mesmas, eleito por assembleia representativa, ser formado por “personalidades de reconhecido mérito” que não sejam membros da respetiva ordem.
Os socialistas propõem ainda que seja criada a figura do Provedor do Cliente, “tendo em consideração que uma das principais missões das associações públicas profissionais é a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços”. Também querem que estas associações sejam proibidas de “exercer ou participar em atividades de natureza sindical” e “natureza comercial”, não podendo também “estabelecer restrições à liberdade de acesso e de exercício da profissão”.
Medidas são “contraproducentes”
“Se a ideia é melhorar o funcionamento das ordens existirão muitas outras opções, e melhores, para que isso aconteça”, refere o bastonário da OPP na nota, segundo o qual as medidas apresentadas “parecem trazer um risco significativo de complexificação”, sendo por isso “contraproducentes”. Embora considere a atual discussão “importante, legítima e saudável num estado democrático”, não entende que seja prioritária.
“Não consigo entender como é que isto é a prioridade. Não devia ser antes uma prioridade mexer em coisas como o aumento do acesso à saúde?”, questiona o bastonário, referindo em concreto a contratação de psicólogos para o SNS. “Ainda não vi o Partido Socialista preocupado em resolver o imbróglio legal que faz com que um concurso de contratação de poucas dezenas de psicólogos demore três anos.”
Francisco Miranda Rodrigues diz ainda nunca ter recebido, “da parte de qualquer governo nem do parlamento, qualquer informação ou comentário sobre problemas que derivem do estatuto da ordem e que estejam a criar problemas no sentido de cumprir com a sua missao”.
Objetivo é “melhorar o acesso às profissões", garante Ana Catarina Mendes
Em conferência de imprensa esta quarta-feira, durante a apresentação do projeto de lei dos socialistas, Ana Catarina Mendes sublinhou que este não deve ser “matéria de luta na praça pública” e que o objetivo é modernizar as ordens profissionais e “melhorar o acesso às profissões”, garantindo ao mesmo tempo “uma melhor regulação do mercado de trabalho também através das ordens profissionais”.
A líder parlamentar do PS afirmou que a “transparência, a maior fiscalização, a autorregulação das próprias profissões” tem de ser feita “de acordo com os tempos exigentes que vivemos, que “não são compatíveis com normas que são ultrapassadas face às exigências do mercado de trabalho”.
Sobre a proposta em concreto, esclareceu que foram removidos todos os “bloqueios que as ordens profissionais criam no acesso à profissão”. “Removemos aquilo que consideramos que são bloqueios que as ordens profissionais criam no acesso à profissão e pretendemos responder àquilo que são as exigências no plano internacional e dar uma resposta, modernizando as próprias ordens profissionais, criando com isso maior competitividade, maior produtividade e mais emprego em Portugal.”
Na proposta que deu entrada esta semana no Parlamento, os socialistas justificam as alterações com a necessidade de dar uma resposta aos apelos feitos por Bruxelas, nomeadamente pela Comissão Europeia, que recomendou aos Estados-membros a eliminação de “restrições injustificadas” no acesso a profissões reguladas e a criação de um “quadro regulamentar que promova crescimento, inovação e emprego".
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