Sociedade

Vinte anos que cercaram a liberdade. Um ensaio de Henrique Raposo sobre a obsessão do risco zero

19 setembro 2021 16:08

O 11 de Setembro inaugurou uma forma mental que se tornou hegemónica 20 anos depois com o #ficaremcasa: os ocidentais estão a trocar a cultura da liberdade pela obsessão do risco zero. Convencidos de que é possível travar todas as ameaças da história política (terrorismo) e da história natural (vírus), as nossas repúblicas estão a matar a liberdade no altar da segurança e da grande utopia da monitorização e do controlo

19 setembro 2021 16:08

“Guerra”. “Guerra contra o vírus.” “Dia histórico na batalha contra a covid-19.” “Nem mais um surto.” “Não pode haver dúvidas.” “Estamos em guerra.” Este tom tremendista dominou o discurso público no último ano e meio. No início, este timbre soava-me familiar; não conseguia porém identificar o ponto de comparação. Até que comecei a arrumar velhas revistas do início do século, números antigos da “New York Review of Books” de 2002, 2003, 2004. Foi aí que percebi o porquê da familiaridade: em termos mentais e até políticos, a “guerra à covid” é igual à “guerra ao terror”. É igual no tom apocalíptico e na exigência do risco zero, essa utopia securitária que cercou a liberdade nos últimos vinte anos.

Exigiu-se que o Estado garantisse a segurança absoluta contra uma ameaça humana (terrorismo) mesmo que isso representasse um ataque sem precedentes às liberdades e direitos do cidadão. Agora exige-se que o Estado garanta a segurança absoluta contra uma ameaça natural (vírus) mesmo que isso represente mais um avanço da lógica autoritária e securitária. Um Estado que controla o movimento dos cidadãos através de uma app de rastreio e geo­localização já não é um Estado de direito da tradição ocidental. Antes de 2020, estas geringonças orwellianas só existiam na China ou Coreia do Sul. Em 2021 já são uma realidade em democracias ocidentais como a Austrália. Vinte anos de ambiente securitário e ano e meio de pandemia chegaram para sitiar uma tradição de liberdade com séculos de pensamento e práxis.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.