Sociedade

Uma vida nova e uma nova casa para Matateu

A Associação Just a Change já reabilitou mais de 200 casas de idosos sem condições de habitabilidade
A Associação Just a Change já reabilitou mais de 200 casas de idosos sem condições de habitabilidade
Goncalo Villaverde

Projetos Expresso. Seniores. A solidão, o isolamento e a saúde são as grandes carências dos mais idosos. O prémio contemplou 24 projetos de solidariedade social, entre os quais um que recupera lares quase inabitáveis

André Rito

Matateu, 69 anos, viveu sozinho numa casa sem luz nem água canalizada. Com o chão em terra batida e uma tábua feita porta, não tinha sequer casa de banho. Ao lado morava o irmão, com quem não falava há mais de sete anos. “Nenhum deles sabia dizer exatamente há quantos, nem sequer a razão pela qual se chatearam”, recorda António Belo, diretor da Just a Change, associação de solidariedade social cuja equipa de voluntários e um mestre de obras foi encarregada de duas missões: recuperar-lhe a casa e reconstruir-lhe a vida.

“Durante dez dias fizemos os possíveis e os impossíveis: picar e rebocar paredes, colocar tetos, ladrilhos no chão, pintar o interior e o exterior, fazer uma casa de banho de raiz, limpar o telhado, colocar uma porta, instalar a canalização.” Este foi apenas um dos trabalhos desenvolvidos pela associação sediada em Lisboa, uma das vencedoras do Prémio BPI “la Caixa” Seniores, que distinguiu 24 projetos [ver caixa] de integração social, promoção do envelhecimento ativo, saudável e em casa, de pessoas com mais 65 anos em situação de vulnerabilidade social.

No total, foram recebidas 214 candidaturas nesta 8ª edição, avaliadas “tendo em conta os critérios de qualidade, sustentabilidade e relevância dos projetos”. “Com este prémio vamos poder reabilitar mais quatro casas de idosos, sem condições, na região de Óbidos. É um problema muito presente na população mais sénior, e são quem mais sofre quando vivem nestas condições. Reabilitar as casas tem muito impacto na vida deles”, resume o diretor da associação sem fins lucrativos, que desde a sua fundação já recuperou mais de 200 casas.

“Trabalhamos em várias regiões em parceria com as câmaras municipais, que reúnem instituições locais mais conhecedoras da realidade e sinalizam as casas”, afirma António Belo, identificando as principais carências que encontra no terreno — “a falta de conforto, problemas de saúde provocados pelo frio da casa, sem vida social e uma enorme solidão”. Com uma população cada vez mais envelhecida, Portugal é dos países onde os idosos passam maiores dificuldades, e chegou a ser o sétimo país da União Europeia com maior percentagem de pessoas idosas a viver abaixo do limiar da pobreza. A maioria dos pensionistas recebe valores mensais inferiores ao salário mínimo.

Em ano de pandemia e crise económica, os mais idosos são também o grupo mais vulnerável à covid-19 e em maior risco de exclusão. Foi isso que levou a Associação Mais Proximidade Melhor Vida a submeter uma candidatura ao Prémio BPI “la Caixa” Seniores. “Tem como objetivo minimizar os efeitos da pandemia nas pessoas idosas”, explica a diretora de comunicação da associação, Rita Roquette. “A pandemia afetou muitas pessoas, que se viram privadas de uma vida normal e das visitas de familiares.”

Intitulado Sénior Mais, o projeto vai prestar apoio a 120 pessoas idosas residentes na Baixa de Lisboa e na zona da Mouraria, através de fisioterapia, acompanhamento psicológico, ajuda na marcação de consultas e exames. Também aqui os idosos vivem na sua maioria em solidão. “A média de idades das pessoas que apoiamos é de 83 anos, cerca de 90% do género feminino”, diz a representante da associação. Embora sejam idosos que habitam em zonas centrais da capital, muitos vivem em prédios sem elevador, o que intensifica o seu isolamento. A maior parte são mulheres, e vivem acima do terceiro andar.

“Imagine o que é levar uma pessoa de 90 anos pelas escadas até à rua”, diz Rita Roquette. “Na Baixa, os prédios são altos e as ruas planas, mas na Mouraria estamos a falar de vielas íngremes, um contexto social mais complexo.” Por regra, as visitas são acompanhadas pelo pessoal técnico, profissionais da área da gerontologia, psicologia social e alguns voluntários. Com pequenos gestos e ajudas — como ajudar a levantar a reforma, fazer o pagamento de uma fatura — o trabalho da associação faz uma grande diferença na vida de quem prestam apoio.

No início da pandemia, com o confinamento obrigatório, os contactos com os utentes passaram a ser telefónicos. Mas houve outro tipo de apoio para lidar com estes tempos sem igual. “Ajudámos pessoas com equipamentos de proteção individual, termómetros. A nossa equipa ajudava nas compras, iam ao terreno, garantiam os bens que estavam em falta. A partir de maio começámos a fazer as visitas ao domicílio à janela ou à porta de casa.”

Ajudar em tempo de covid-19

Em destaque os grupos sociais em risco de exclusão, como os idosos e doentes de foro psiquiátrico

Nos últimos dez anos, em 26 edições concluídas, os prémios BPI “la Caixa” entregaram cerca de €17,3 milhões para a implementação de 591 projetos de inclusão social em Portugal. No total, mas mais de 138 mil portugueses foram ajudados pelo espírito solidário de várias instituições sem fins lucrativos. Num ano de pandemia o risco de exclusão social aumentou. E a solidariedade? “Os portugueses são muito solidários, sobretudo em altura de crise, e isso tornou-se evidente durante a pandemia”, disse Rita Roquette, da Associação Mais Proximidade Melhor Vida.

Com 33 anos de atividade, a Alzheimer Portugal tem traçado o seu caminho na atividade solidária, e chamado a atenção para uma doença estigmatizada, a demência. Com uma abordagem centrado no doente, a associação luta pela promoção de um modelo de cuidados livre de contenção, psicológica, química ou ambiental. “Por vezes, quando não têm possibilidades, as pessoas usam soluções caseiras, através de um lençol para amarrar ou conter as pessoas. São métodos violentos, nenhum tipo de contenção é benéfico e os efeitos são nefastos”, afirma Filipa Gomes, da direção técnica da associação.

O projeto “Estreitar Laços — Modelo de Cuidados Humanizados para Pessoas com Demência” valeu à Alzheimer Portugal o prémio para uma associação que tem lutado pelo fim do estigma das doenças do foro psiquiátrico. “A sociedade está mais desperta para a questão de demência, mas ainda há muito para fazer. A contenção é um exemplo, ainda é um fator de exclusão.”

Idosos

298
mil é o número de idosos com mais de 85 anos, em Portugal. No total representam mais de 3% da população

2030
é o ano em que se estima haver um idoso com mais de 65 anos por cada quatro pessoas. As estimativas apontam para uma população de 2,7 milhões de idosos

Textos originalmente publicados no Expresso de 24 de outubro de 2020

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