Sociedade

Revolução Liberal revisitada pelo olhar do Porto, onde tudo começou

Revolução Liberal revisitada pelo olhar do Porto, onde tudo começou
RUI DUARTE SILVA

A celebração do bicentenário do 24 de Agosto de 1820 arranca, esta quinta-feira, órfã do seu comissário-geral, Pedro Baptista, na Casa do Infante, com uma exposição dedicada à Revolta Liberal. O programa de comemorações estende-se até ao final do ano com 50 eventos gratuitos

Revolução Liberal revisitada pelo olhar do Porto, onde tudo começou

Isabel Paulo

Jornalista

A exposição '1820. Revolução Liberal do Porto', comissariada por José Manuel Lopes Cordeiro, professor de História da Universidade do Minho, é inaugurada esta quinta-feira, na Casa do Infante, sem festa, cerimónia durante a qual o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, prestará uma homenagem a Pedro Baptista, que morreu esta madrugada de morte súbita aos 71 anos.

A mostra patente ao público até setembro, mais do que a celebração de uma efeméride, era considerada pelo escritor e ensaísta Pedro Baptista de grande importância, por permitir aos portuenses e aos portugueses revisitar a revolução de 24 de Agosto pelo olhar do Porto da história a partir da cidade onde nasceu e não pela narrativa e fontes históricas de Lisboa. “O Porto foi a cidade que mudou o país moderno ao abrir caminho ao constitucionalismo em Portugal”, referiu, sem disfarçar o orgulho, Pedro Baptista ao Expresso, esta quarta-feira.

A mostra documental percorre os principais antecedentes da revolta: a ida da corte para o Brasil em 1807, a invasão napoleónica da Invicta e o desastre da Ponte das Barcas, em 1809. Da exposição consta ainda a conspiração de 1817, a execução do general Gomes Freire de Andrade, que acicatou a revolta contra a presença inglesa e do marechal Beresford, e a constituição da associação secreta Sinédrio, no Porto, para organizar a revolução que “teve o condão de mudar o país”, explica José Lopes Cordeiro.

Para o historiador, a exposição tem como particularidade destacar “as fontes portuenses dos 40 dias que abalaram a História de Portugal e do Brasil há dois séculos”, sublinhando que a peça principal da mostra é a ata da Câmara Municipal de 24 de Agosto de 1820, “cujo texto se encontra todo coberto de tinta preta, uma iniciativa e tentativa de reescrever a história dos partidários de D. Miguel”, após a reviravolta absolutista.

“O pronunciamento militar fez-se às 5 horas da manhã no Campo de Santo Ovídio, atual Praça da República, e às 8 horas estava toda a gente na Câmara, onde se aprovou a constituição da Junta Provisional do Governo Reino Supremo do Reino, que inaugurava o novo regime”, recorda o docente do Instituto de Ciências Sociais da UMinho.

“Já sabia que o documento fundacional do regime liberal estava coberto de tinta no Arquivo Histórico Municipal do Porto”, refere, sublinhando que a censura à ata por parte dos miguelistas foi um “ato inútil”, dado que o seu conteúdo e assinaturas foram amplamente transcritas na imprensa da época. “Não lhes valeu de nada rasurar a ata, que vai ser vista pela primeira vez pelos visitantes da exposição, pois a descrição da mesma foi descrita com exatidão nos jornais do Porto”, assegura Lopes Cordeiro.

O primeiro jornal a noticiar os termos do documento foi o 'Diário Nacional', a 26 de agosto, notícia que seria reproduzida no 'Correio do Porto' ainda mais tarde no novo título 'Regeneração de Portugal'. Os ecos da ata foram ainda noticiados pelos liberais exilados em Inglaterra, em jornais como 'o Génio Constitucional' ou o 'Campeão de Portugal'.

“O olhar do Porto da Revolução Liberal é diferente da visão de Lisboa, embaciada então pela censura e que só a partir de 15 de setembro foi relatado na 'Gazeta de Lisboa', quando os militares da capital aderiram à revolta”, afirma Lopes Cordeiro, lembrando que o movimento político e militar do Porto começou por ser “abafado em Lisboa e só no final de 1820 o governo do país, já sedeado em Lisboa, resolveu promulgar um decreto a ressalvar o papel fundamental do Porto no novo regime”.

Iniciativa não espartana, nem espalhafatosa

Há uma semana, na apresentação da programação do bicentenário do 24 de Agosto, Pedro Baptista lançou o repto de se lançar no Porto um monumento comemorativo da Revolução Liberal, dado que o projetado na época nunca chegou a ser erigido. Da autoria do escultor Joaquim Rafael, o monumento era constituído por uma base e uma cúpula com uma figura alusiva à Constituição, encimado pelo escudo nacional.

O programa festivo da revolta nascida no Porto inclui um congresso internacional, debates, concertos, visitas guiadas e lançamento de livros, entre os quais um catálogo da Exposição a inaugurar hoje, da autoria do seu comissário. Rui Moreira titula a iniciativa como “não espartana, mas também não espalhafatosa”

Para o historiador, replicar o projeto da época “seria um pastiche”, fazendo mais sentido, em sua opinião e se for esse o entendimento da Câmara do Porto, projetar um nono monumento alusivo à data. “O da altura estava previsto ser lançado onde agora é a Paraça da Liberdade, no lugar onde está a estátua equestre de D. Pedro IV”, lembra.

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