Sociedade

Moradores em Carcavelos contestam loteamento da Quinta dos Ingleses

6 abril 2019 16:00

nuno botelho

Trata-se da ocupação do maior pulmão verde na linha costeira entre Lisboa e Cascais, a Quinta dos Ingleses, onde nascerá um mega-empreendimento imobiliário, com oito centenas e meia de fogos, além de muitos outros equipamentos. Os moradores defendem que na solução final haja mais espaço verde do que o previsto no projeto de loteamento (em discussão pública), mas tanto da parte da Câmara de Cascais como do promotor essa é uma questão arrumada

6 abril 2019 16:00

Residentes na Linha de Cascais vão fazer na manhã deste domingo, pelas 10h30, um "cordão humano" contra o projeto imobiliário de grande dimensão previsto para a Quinta dos Ingleses, em Carcavelos. O protesto realiza-se no local onde serão erguidos 850 fogos, espaços de comércio e serviços, um hotel e diversos equipamentos coletivos.

O loteamento localiza-se no enorme quarteirão delimitado pela Marginal (a Sul) e pela avenida contígua à linha de comboio e à estação da CP de carcavelos (a Norte). A Nascente, o perímetro é traçado pela linha de árvores frente à Faculdade de Economia da Universidade Nova e pelo parque de estacionamento de terra batida fronteiro, e que serve a praia de Carcavelos. A Poente, a área abrangida por esta intervenção é rematada pela Avenida Jorge V, que dá entrada para o St. Julian's School. O colégio, através de uma associação, é, aliás, parceiro da empresa Alves Ribeiro, promotora da operação.

O loteamento, que abrange uma área de mais de 50 hectares (outros tantos campos de futebol), distribui-se por uma superfície que tem a configuração de uma figura geométrica entre o quadrado e o trapézio. É sobretudo em relação à mancha verde daquele espaço que os residentes, agregados na SOS Quinta dos Ingleses, terçam armas.

Dois porta-vozes do movimento, Pedro Jordão e Tiago Albuquerque, acusam a Câmara de Cascais de "estar prestes a destruir uma área verde significativa", num processo que irá "potenciar o desaparecimento da praia de Carcavelos". Os membros do SOS Quinta dos Ingleses anteveem que as construções em altura a surgir na zona irão alterar os ventos, e estes terão efeito na rarefação das areias da praia (e com o impacto que isso terá no surf).

Carlos Carreiras, o presidente da Câmara de Cascais, nega tais cenários. O autarca cita e remete para dois estudos de Ramiro Neves, professor do Instituto Superior Técnico, de Lisboa, sobre o regime de ventos e a evolução sedimentar na praia. Carreiras é perentório, socorrendo-se das conclusões do académico: "As construções planeadas para carcavelos-Sul não terão impacte sobre a qualidade do surf na praia".

Moradores querem manter o arvoredo e os espaços verdes na Quinta dos Ingleses

Moradores querem manter o arvoredo e os espaços verdes na Quinta dos Ingleses

nuno botelho

O SOS Quinta dos Ingleses quer usar esta derradeira discussão pública do assunto, em resultado do processo de consulta do loteamento, que decorre até 16 de abril, para "gerar um movimento popular que pressione a Câmara a travar a evolução do projeto ou a reduzir significativamente a área de construção prevista". Pedro Jordão e Tiago Albuquerque defendem mesmo que a autarquia "devia expropriar uma parte do terreno, por interesse público (à semelhança do que fez ao lado, para permitir a instalação da Universidade Nova), e depois permitir que essa área fique para usufruto público".

A autarquia não respondeu a uma pergunta concreta a respeito dessa possibilidade, mas noutro ponto da resposta ao Expresso Carreiras afasta completamente tal cenário. O que poderia ter sido alterado, já foi, em 2014, quando foi aprovado o Plano de Pormenor (o instrumento de gestão territorial aplicável àquele espaço) no qual se insere este loteamento. Para o autarca, a Câmara de Cascais já "reduziu drasticamente a carga habitacional que estava prevista em anteriores planos".

Nova mexida está agora fora de questão, portanto. "Estamos na fase de discussão do loteamento e não serão alterados parâmetros urbanísticos [definidos] em sede de Plano de Pormenor".

A mesma linha de raciocínio é desenvolvida pela Alves Ribeiro. "O loteamento pretende dar execução e garantir o cumprimento do Plano de Pormenor", diz ao Expresso João Pereira de Sousa, administrador da empresa, que acrescenta: "Tal plano já foi debatido e objeto de escrutínio técnico, social e político, por diversas entidades. Daí resultaram ajustes que davam resposta às preocupações então manifestadas".

Ameaça de €300 milhões?

Além de ser uma mera concretização do já aprovado num Plano de Pormenor, Carlos Carreiras destaca duas circunstâncias que rodeiam este caso. Por um lado, acusa os contestatários de estarem a "laborar num equívovo. Manifestam-se como se aqueles terrenos fossem privados. Não são. Se fossem, poderíamos discutir outras soluções". Por outro, o autarca lembra que há sobre os terrenos "direitos de construção garantidos há 40 anos".

E decorrente disso, diz Carreiras, há riscos jurídicos para o município, pois "um processo em tribunal coloca em Cascais o ónus de condenação ao pagamento de uma indemização astronómica, superior a 300 milhões de euros". Ainda por cima, esse desfecho seria "cumulativo" com a obrigatoriedade de a autarquia ter de cumprir um acordo da década de 80, que implicaria "mais construção, mais fogos habitacionais, edifícios muito mais altos e enquadrados por um desenho urbano de muito mais baixa qualidade".

Os cidadãos que neste domingo se manifestar-se na Quinta dos Ingleses refutam em cenário de indemnização de tal monta. "Jamais os tribunais portugueses iriam aplicar uma sentença a ditar o pagamento de montantes tão elevados. Não houve até hoje nada de parecido", diz Pedro Jordão, que é advogado. E chegando a discussão ao dinheiro e ao esforço financeiro da autarquia, novo remoque dos contestatários deste empreendimento: "A Câmara não teve qualquer problema em pagar €10 milhões para expropriar os terrenos que entregou à Universidade Nova".

Antevisão parcial do loteamento

Antevisão parcial do loteamento

Da parte da Alves Ribeiro, o loteamento vem oferecer muito à cidade. "O projeto tem subjacente a requallificação de toda a área envolvente, com a preocupação de criar as melhores condições, quer para a população atualmente residente na freguesia e no concelho de Cascais, quer para os novos residentes".

O total de futuros moradores da Quinta dos Ingleses (na qual o St Julian's School irá aumentar as suas instalações, com mais 12 mil metros quadrados de equipamento escolar) deverá ser de 2100, segundo a empresa. Já novos postos de trabalho (haverá comércio, um hotel, um centro de dia, uma escola básica e jardim de infância, entre outros equipamentoss e valências) está estimado pela Alves Ribeiro em 4.250 pessoas.

Os números não convencem o grupo de cidadãos. Não restringem as contas ao loteamento, pois garantem que haverá mais hotéis na zona (um estará previsto, dizem,para o espaço do parque de estacionamento frente à Nova, que já servia a praia e hoje também dá serventia à universidade). Mas sobretudo os moradores somam o que será o fluxo adicional da Quinta dos Ingleses ao que será o movimento de pessoas da Nova quando esta atingir o seu máximo de capacidade.

"Sem novas vias, será um pandemónio. No verão, será impossível haver espaço para estacionamento de todos os que querem ir à praia. Não são só os habitantes de Carcavelos ou do concelho. Por exemplo, nas férias, há visitas de crianças de muitos pontos, alguns longe daqui, por causa das águas calmas da praia. Uma vez, num só parque, contei 106 autocarros", diz Tiago Albuquerque, que acrescenta: "Isto vai afetar a população de toda região de Lisboa".