4 abril 2019 9:15
foto lucília monteiro
Responsável defende que alargar a base social de recrutamento do ensino superior é um “bem maior” e apresenta estudo que mostra que cada euro de investimento público nos politécnicos é transformado em pelo menos dois euros de atividade económica
4 abril 2019 9:15
Uma alteração no acesso ao ensino superior que permita aos alunos do ensino profissional entrar num curso sem fazer exames nacionais não é facilitismo, mas sim a correção de desigualdades, defendeu o presidente do conselho coordenador dos politécnicos.
O jornal Expresso avançou na passada semana que o Governo pondera alterações ao regime de acesso ao ensino superior para os alunos do ensino secundário profissional com efeitos já no próximo ano letivo, para permitir que estes alunos - que têm planos curriculares específicos dos seus cursos mais práticos e profissionalizantes, sem a obrigatoriedade - possam entrar num curso superior sem fazer exames nacionais.
A ideia é substituir os exames nacionais em disciplinas que muitas vezes não faziam parte dos seus currículos, mas que são prova de ingresso nos cursos, por concursos locais, ou seja, é dada a possibilidade às instituições - universidades ou politécnicos - de definirem critérios e provas de acesso específicas para estes alunos.
Em entrevista à Lusa, o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos, recusou que esta possa ser uma via facilitada de entrada no ensino superior.
Para o representante dos politécnicos, é preciso responder à questão: "qual é o custo maior?".
"É o de ter milhares de jovens a quem lhes é exigido fazer um exame para o qual não se prepararam durante três anos?", questionou Pedro Dominguinhos, que defendeu que existe uma desigualdade no acesso para estes alunos e que é redutor considerar que "só através de um exame conseguimos medir os conhecimentos".
"Hoje em dia há diferentes formas de conseguir avaliar a capacidade de prosseguimento de estudos. Nos maiores de 23 [regime de acesso específico para adultos] existem algumas provas locais, não há um exame nacional, e há dezenas, centenas, de casos de estudantes que ingressaram pelos maiores de 23 que recebem prémios académicos nas diferentes instituições de melhores alunos em cada um dos anos", acrescentou.
Pedro Dominguinhos reconheceu que as alterações vão exigir "um esforço significativo", desde logo por parte das instituições, que terão que garantir condições para o sucesso escolar destes alunos, que não tendo a mesma preparação teórica dos provenientes do regime científico-humanístico, poderão ter que passar por uma espécie de 'ano zero', de preparação para o curso, ou apenas por um reforço escolar em áreas centrais no curso superior escolhido, sejam elas a matemática, a física, ou o português.
"Há vários estudos, pelo menos três em diferentes instituições, que demonstram que o melhor preditor para o sucesso de uma licenciatura, são as notas do ensino secundário. Não são as notas do exame, portanto, às vezes a realidade também tende a desmontar algumas dessas crenças que nós vamos construindo", disse o presidente do CCISP.
Os dados indicam que 80% dos alunos que concluem o 12.º ano pela via científico-humanística prosseguem estudos, e que no caso dos alunos do ensino secundário profissional apenas 20% optam por continuar a estudar.
Alargar a base social de recrutamento do ensino superior, ou seja, permitir que mais gente lá chegue, é uma das bandeiras deste Governo e recorrentemente evocada pelo ministro da tutela, Manuel Heitor, e é, para Pedro Dominguinhos, um "bem maior" para a sociedade que "se sobrepõe" à questão do eventual facilitismo.
Até porque, acrescentou, é preciso confiar na capacidade e responsabilidade das instituições para dentro da sua autonomia criarem regras próprias de acesso que, sublinhou ainda, podem ser escrutinadas pela Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) a qualquer momento.
Em reavaliação está também, segundo avançou o Expresso na mesma altura, a medida que impôs no ano letivo em vigor um corte de 5% de vagas, equivalente a 1100 lugares, nos cursos superiores em Lisboa e Porto, com o objetivo de inverter a concentração de estudantes nas duas maiores cidades do país e promover a fixação em regiões do interior.
A regra para reduzir vagas pode passar a obedecer a critérios mais discriminados, evitando uma aplicação genérica, e permitindo que cursos com procura e que praticamente só tenham oferta em Lisboa e Porto não sofram qualquer redução de vagas.
"O CCISP está muito à vontade com esta mudança", disse o presidente do organismo, a quem parece "perfeitamente normal" que se olhe para a oferta e para a procura para gerir melhor a distribuição de vagas, acrescentando que os dados da avaliação do primeiro ano da medida mostram que, para além de um efeito positivo para as instituições do interior, também não se verificou, como muitos anteciparam, uma 'fuga' de estudantes do ensino público para o ensino privado, e criticou quem fala apenas por ligar "o achómetro", sem ter dados de sustentação para as suas teses, afirmando que "é importante a existência de estudos".
Politécnicos duplicam valor investido
Cada euro de investimento público nos institutos superiores politécnicos é transformado por estas instituições em pelo menos dois euros de atividade económica, revela um estudo do conselho coordenador dos politécnicos, divulgado esta quinta-feira.
Entre os institutos analisados -- Beja, Bragança, Castelo Branco, Cávado e Ave, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarém, Setúbal, Tomar, Viana do Castelo e Viseu -- o melhor resultado no retorno do investimento público pertence ao politécnico do Cávado e Ave, que multiplica por 5,61 cada euro investido.
No estudo "O impacto económico dos institutos superiores politécnicos em Portugal", do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), que analisa os impactos diretos e indiretos da presença de 12 destes institutos nas regiões onde se inserem, é o politécnico de Beja que aparece com resultados mais baixos na multiplicação do investimento público que recebe, mas que ainda assim, quase consegue transformar cada euro investido em dois.
Os resultados não surpreendem Pedro Dominguinhos, que, em entrevista à agência Lusa, defendeu que "quem está no terreno tem a noção clara do impacto que cada instituição politécnica possui" para os seus concelhos e regiões.
"Nós tínhamos esta noção clara de que era importante. Às vezes os números falam por si só, representam um impacto muito significativo do ponto de vista do valor e da despesa gerada, mas acima de tudo representam um impacto muito significativo também ao nível do emprego gerado", disse o também presidente do politécnico de Setúbal, que defendeu que o estudo demonstra "de uma forma inequívoca a imprescindibilidade" dos politécnicos para o desenvolvimento e coesão e económica e social das regiões.
No caso de Bragança, por exemplo, o politécnico local é, entre os 12 analisados, aquele que mais pesa na criação de riqueza regional, representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) local, a sua atividade económica gera perto de 65 milhões de euros anuais, é o 3.º maior empregador na região onde se insere, tendo criado 2188 postos de trabalho, absorvendo 9% da população ativa.