Forças da GNR que combatem fogo em Monchique obrigadas a dormir no chão
Dezenas de militares do Grupo de Intervenção de Prevenção e Socorro, a força da Guarda especializada no ataques aos incêndios, só conseguiram dar algum sossego ao corpo no chão de um pavilhão. A GNR contesta: “descansaram” e “com todas as condições necessárias e possíveis”
Numa imagem vê-se a ponta de dois pés, ladeados por outro par que depois se alonga pelas pernas de alguém deitado num colchão de ginástica, tendo à frente uma farda arrumada sobre o que parece ser um banco ou uma cadeira.
Mais adiante, continuando a percorrer a fotografia no sentido dos ponteiros do relógio, há um capacete e luvas numa pequena mesa, na qual estão pendurados sacos com o que parece ser um rádio. De seguida, alinhados em fila, uma fiada de corpos dispostos lado a lado, sobre mais uns tantos colchões de ginástica. Os vultos, quase todos com boxers pretos, vão-se depois perdendo de vista pelo chão do pavilhão dos bombeiros de Monchique.
A baliza ao fundo funciona como estendal da roupa. À falta de cabides, lá estão penduradas as fardas de alguns militares do Grupo de Intervenção de Prevenção e de Socorro (GIPS) da GNR. Na hora de enganar o sono e de dar algum descanso ao corpo, estes vão ocupando o espaço aleatoriamente, estendendo-se pelo chão até ao lado oposto do pavilhão.
Pavimento há de sobra, o que falta são colchões, mesmo se um mero “plastron” para exercício físico se trata. Resta a alguns dormir literalmente no chão, com a camisa da farda a fazer as vezes de almofada.
Militares do GIPS a repousar
d.r.
O quadro, aqui descrito e mostrado, foi captado por estes dias em Monchique. No total, no momento das imagens, há cerca de meia centena de militares do GIPS que tentam recuperar forças após longa e extenuante jornada – e antes do regresso a nova missão.
O Expresso pediu ao início da tarde desta segunda-feira um comentário sobre a situação ao Comando-Geral da GNR. A corporação (que foi apenas confrontada com uma descrição da situação e não com as imagens), diz que a “informação” prestada pelo jornal “não corresponde à realidade”.
Segundo o Comando-Geral da GNR, “os 159 militares do GIPS empenhados nos incêndios de Monchique descansaram em instalações da Guarda e dos bombeiros locais, com todas as condições necessárias e possíveis, ao contrário do que [o jornalista] alega”.
Coqueluche ainda em formação
Um homem no terreno relata o que tem vivido, num tom de desabafo: “Estou desde sexta a combater os fogos em Monchique. As condições adversas obrigaram a um reforço extraordinário de meios no local. A Câmara Municipal e o Comando-Geral da GNR não acautelaram as necessárias condições de alojamento”.
Visão geral do pavilhão dos bombeiros de Monchique
d.r.
A afirmação tem um destinatário mais direto: “Há colchões amontoados no Comando Territorial [da GNR] de Faro”, diz um elemento do GIPS no terreno. “Bastava que houvesse aqui alguns colchões e almofadas para termos condições mais dignas”, desabafa.
A repetição do lamento sobrepõe-se a tudo, como se fosse uma ladainha: “Os poucos colchões são os plastrons que se usam para o exercício físico. Plásticos duros adaptados. Não há colchões, nem lençóis, nem almofadas. Quando se acabam os ‘colchões’, dorme-se no chão.” Uma ressalva, para destacar que não há privilegiados: “É uma situação transversal a todas as patentes: lá dormem oficiais, sargentos e praças”, afirma.
A queixa de quem está no terreno é a falta de um “plano de contingência”. José Miguel, vice-presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), diz que a situação que os elementos do GIPS têm vivido em Monchique “só vem valorizar o desempenho da missão dos profissionais, atendendo às condições em que trabalham”.
Para o dirigente da associação sindical, o GIPS são hoje “a coqueluche“ e uma espécie de “ex-líbris” da GNR, mas ao crescimento da unidade (quase duplicou os seus efetivos entre 2017 e 2018) não correspondeu um aumento das “condições mínimas” de funcionamento. “As imagens [do pavilhão de Monchique] só vêm mostrar o aumento das carências desta unidade da GNR; não podemos só mostrar as novas viaturas que chegam ao terreno”, afirma José Miguel.
O incêndio de Monchique foi o que juntou mais meios em 2018
Filipe Farinha/EPA
Ao Expresso, no comentário às questões colocadas, o Comando-Geral da GNR salienta que “os militares do GIPS possuem um treino e preparação ímpares, capacitando-os para atuarem em situações extremas e adversas. Os militares do GIPS estão conscientes da mais valia do seu trabalho e dos sacrifícios que as circunstâncias exigem, com o objetivo de salvaguardar a segurança das populações”.
O vice-presidente da APG tem uma visão diferente. “A Guarda deixou-se atrasar um bocadinho. Tem de evoluir, tem de chegar ao século XXI”, afirma, salientando que há duas semanas a direção da APG transmitiu ao Comandante-Geral da GNR a sua apreensão sobre a falta de condições, como o que agora está à vista.
“Homens e mulheres a dormir no chão, sobre a farda... Já não se admite”, diz José Miguel.