Sociedade

Cursos profissionais sem dinheiro

24 dezembro 2017 20:00

luis barra

Custos com alimentação, transporte e visitas de estudo estão a ser adiantados por alunos e escolas ou ficam em dívida

24 dezembro 2017 20:00

Se os atrasos deste ano na abertura das candidaturas para apoio financeiro aos cursos profissionais, que se iniciaram há já três meses, estavam a preocupar as escolas secundarias públicas, a informação que receberam esta semana deixou-as em choque. Através de um email enviado pela direção do Programa Operacional de Capital Humano – POCH (que gere verbas comunitárias para medidas de promoção das qualificações) ficaram a saber que “não existe previsão de abertura de candidaturas, atendendo à indisponibilidade de verbas”. E que essa situação só poderá ser desbloqueada “mediante decisão da tutela, no âmbito da reprogramação financeira do Programa Operacional”. Ou seja, o Ministério da Educação (ME) terá de desviar verbas previstas para outras áreas de intervenção ou fundos comunitários e alocá-los ao financiamento dos cursos profissionais.

Em causa está o funcionamento das turmas de 1º ano, que foram autorizadas pelo ME para este ano letivo, nas escolas públicas do Norte, Centro e Alentejo – as regiões que recebem estes fundos comunitários. Todos os alunos inscritos no ensino profissional beneficiam de transporte, alimentação e visitas de estudo gratuitas. Os mais carenciados têm ainda direito a apoios para a compra de livros e material escolar.

Enquanto o dinheiro não chega, há escolas e alunos a adiantarem os custos com os passes, professores a pagar do seu próprio bolso as visitas de estudo, alunos a estudarem a partir de fotocópias dos livros, equipamentos e materiais em falta e muitas dívidas a fornecedores a serem acumuladas, relatam vários diretores contactados pelo Expresso.

O ME também respondeu dizendo, em primeiro lugar, que as “verbas alocadas pelo anterior Governo para o ensino profissional (no âmbito da gestão dos fundos comunitários até 2020) eram claramente insuficientes”. Em relação à data previsível para a resolução deste problema e para as escolas começarem a receber as verbas, informou que a “reprogramação do Portugal 2020 é transversal a todos os programas operacionais e a todas as áreas governativas” e que o processo se encontra “em curso, nos termos e prazos previstos, esperando-se uma conclusão para breve”.

“A situação é gravíssima. Temos as faturas de alimentação e transporte por pagar e só o poderemos fazer quando vier o dinheiro”, queixa-se Amândio Felgueiras, diretor do Agrupamento de Escolas de Idães (Felgueiras). Com o 1º período letivo já terminado, as dívidas relativas aos três primeiros meses de funcionamento do curso são cerca de 18 mil euros, diz o diretor. Sendo que há ainda dívidas por pagar relativas ao ano anterior, relatam vários professores.

Se é verdade que nos últimos anos os prazos de candidatura às verbas do POCH têm vindo a deslizar, com as escolas a receberem os primeiros adiantamentos em dezembro ou janeiro, nunca o calendário se atrasou desta forma, garantem as escolas. “É completamente impossível estes cursos funcionarem sem este financiamento. Os cursos de fotografia, de trabalho com madeiras, restauração e tantos outros implicam a compra de material específico. O que temos feito é ir trabalhando com os miúdos outras competências até conseguirmos ter tudo o que permitirá o trabalho mais prático. É isso que os alunos procuram ao optar pelos cursos profissionais. Se se mantiver esta abordagem mais teórica, semelhante à do ensino regular, vamos ter mais problemas de indisciplina e desmotivação. E os próprios objetivos destas formações ficam comprometidos”, avisa Albino Pereira, diretor do Agrupamento de Escolas de Vilela (Paredes).

Verbas no final do ano letivo

Também na Secundária Afonso Lopes Vieira, em Leiria, se fazem contas ao dinheiro que não chega para os cinco cursos abertos este ano. Por agora, a direção tem assumido os apoios aos alunos, quer de refeições, quer nos passes para os transportes. Mas a situação não é viável por mais tempo, garante o diretor, Pedro Biscaia. O problema, acrescenta Albérico Vieira, do Agrupamento de Albergaria-a-Velha, é que mesmo depois do financiamento aprovado, as escolas têm de ficar à espera que o Instituto de Gestão Financeira faça a distribuição do dinheiro.

Em relação às cerca de 150 escolas privadas com ensino profissional, o aviso com a abertura das candidaturas chegou na semana passada e o cenário também não é animador. A “data prevista de decisão final” acontece a 2 de abril, ou seja, pouco mais de dois meses antes do fim das aulas. Perante este atrasos, e todos os que aconteceram nos anos anteriores, o recurso à banca acaba por ser a solução encontrada para pagar salários de professores, fornecedores e apoios sociais aos alunos, conta José Luís Presa, presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais, criticando o modo de funcionamento das candidaturas: “Não há nenhuma razão para os prazos serem tão dilatados, como um mês para as candidaturas e dois para análise. Há uma replicação dos regulamentos dos concursos sem olhar para as especificidades deste processo”.

O aumento do número de alunos a frequentar o ensino profissional tem sido uma das prioridades dos últimos governos. O objetivo definido pelo atual executivo é chegar aos 55% de jovens em vias profissionalizantes.