30 junho 2017 20:18
O antigo ministro da Administração Interna do PSD Daniel Sanches, que assinou o contrato de adjudicação do SIRESP três dias depois das eleições legislativas de 2005 (integrava então o governo de gestão de Santana Lopes, que tinha perdido para Sócrates), defende que era urgente a contratação de um sistema de comunicações eficaz para ajudar o combate aos incêndios. “Entendi que era um ato de interesse público”
30 junho 2017 20:18
Houve ou não uma renegociação do contrato do SIRESP em 2006, com António Costa como ministro da Administração Interna?
Julgo que sim. Acho que houve passos nesse sentido. O contrato foi renegociado no sentido de obter alguns ganhos. E julgo que a nova adjudicação acabou por ser feita 50 milhões de euros abaixo da adjudicação inicial. Segundo li na imprensa da altura e voltei a ouvir agora, (a renegociação) foi feita à custa do corte de algumas valências que constavam no contrato inicial. Quais são as valências, desconheço. Já ouvi falar na mudança de geradores, já ouvi falar no reposicionamento de estações, já ouvi falar em sistemas de redundância… mas terá sido numa vertente estritamente técnica que terá sido feita a redução de preços. O que acho natural… se o sistema continuar a funcionar, com menos custos. Não sei se funcionaria tão bem, mas é compreensível.
Mas o que guarda na memória sobre o contrato não lhe permite garantir, por si só, que houve uma redução de funcionalidades?
Eu presumo que tenha sido nessa área (que foi feita a renegociação). Mesmo a proposta que foi feita em 2005 já tinha cortes grandes. A maior parte das pessoas desconhece, mas a proposta inicial, ainda no tempo do 15º governo provisório, estava situada entre os 700 milhões e 800 milhões de euros. Tudo isto porque era uma proposta do ponto de vista técnico mais completa. Tem tudo a ver com a capacidade e resposta do sistema. Nomeadamente, o posicionamento e os sistemas de redundância das antenas. Pelo que li na altura e o que li agora, diria que foi isso mesmo (que aconteceu na renegociação). Mas tudo só pode ser esclarecido por quem fez o próprio ato (da renegociação).
A renegociação não pode ter posto em causa a funcionalidade do sistema?
Isso não sou capaz de dizer. Sou da área jurídica e não técnico de telecomunicações. Presumo (que os responsáveis pela renegociação) tenham recorrido a pessoas da área das telecomunicações que [garantiram que] o sistema continuava com operacionalidade completa…bem, completa nunca é. Na cobertura do território, há sempre zonas sombra. Há problemas graves, como a saturação do sistema. O sistema estava preparado apenas para um determinado número de chamadas… e encarece conforme o número de chamadas suportado.
Na altura houve relatórios que consideram que o sistema tinha cinco vezes mais o custo que deveria ter…
Isso não sei. Também é anterior à minha entrada no Governo. Nunca tive relatório desses. Li mais tarde nos jornais, ouvi falar desse relatório muito mais tarde. Nunca chegou às minhas mãos esse relatório. Mas julgo pelo que li que esse relatório não era sobre a instalação de um sistema Tetra. Julgo que era outro sistema qualquer… mas não tenho a certeza. Já passam tantos anos.
Há outro dado que tem sido falado: o concurso teve apenas uma única proposta de fornecedor.
Não houve desistências. Os outros não chegaram a apresentar propostas. Foram convidadas cinco entidades e essas entidades esgotavam as possibilidades de quem dominava a tecnologia Tetra em Portugal. Isto em 2003.
Qual a razão da escolha Tetra?
Julgo que isso teve a ver com a escolha feita ao nível dos países do Acordo Schengen.
A sua adjudicação foi considerada nula… Foi uma forma de cortar com o passado?
… pelo dr. António Costa, ministro da Administração da Interna. Eu diria quase que foi consensual. Eu próprio - e o dr. António Costa referiu à comunicação social da altura – dei um ponto da situação dos processos e disse-lhe que tinham saído algumas notícias um ou dois dias antes que levantavam alguns problemas sobre a adjudicação do SIRESP. Eu avisei o dr. António Costa e pedi-lhe que visse tudo do princípio até ao fim. E o próprio dr. António Costa, muito simpaticamente, transmitiu-me a realização de auditorias e relatórios sobre uma série de coisas e mais tarde enviou-me um parecer da PGR sobre a possibilidade de um governo de gestão ter produzido aquele tipo de despacho (da adjudicação inicial assinada por Daniel Sanches). E dado que o Conselho do Ministério Público se pronunciou no sentido da não admissibilidade, o dr. António Costa ratificou esse parecer e deu como nulo o despacho de adjudicação (assinado três dias depois de o PSD liderado por Santana Lopes, que integrava Daniel Sanches como ministro da Administração Interna, ter perdido as eleições) e obviamente deu como nulo o despacho de adjudicação provisório e iniciou conversações com o mesmo consórcio.
O que o levou a fazer uma adjudicação desta dimensão três dias depois das eleições como membro de um governo de gestão?
Entendi que era um ato de interesse público. A decisão não é tão descabida, uma vez que o próprio Conselho do Ministério Público dividiu-se completamente. Houve cinco votos a favor e cinco votos contra no tal parecer que acabou por concluir pela própria inadmissibilidade do ato de adjudicação. Teve de haver um voto de qualidade próprio Procurador-Geral da República e antes disso teve de haver troca do próprio relator. Os melhores juristas dividiram-se completamente…
Mas quem esperou até ali também podia ter esperado mais uns dias para que fosse já o novo governo a aprovar em definitivo a adjudicação…
Principalmente quando se trata de governos de sinal (cor) diferente, o estudo dos dossiês demora o seu tempo. Entendi que era urgentíssimo que, por causa da época dos fogos, que não era tão má como a época anterior nem a que viria a ser a de 2005, ter um sistema em funcionamento. Não havia tempo a perder. Há um relatório de uma entidade independente, a Coteco, que chegou a falar comigo no Ministério e aconselhava vivamente a contratação de um sistema de comunicações capaz, que era considerada uma das grandes falhas. A grande falha do combate ao incêndios em Portugal foi sempre a coordenação no terreno, do combate às chamas. Obviamente, as comunicações têm um papel crucial nisto tudo. E para mim era extraordinariamente urgente dotar o país de um sistema dessa natureza.
Foi mais rápido mas não evitou que o sistema tivesse as fragilidades que tem atualmente.
Não me vai perguntar ao cabo destes anos todos se eu conseguia adivinhar que o sistema caía, pois não? A partir do momento em que o sistema está implementado no terreno, se se verificar que há insuficiências e deficiências, obviamente tem de haver estudos para verificar o que se pode fazer. Tenho ouvido ao longo dos anos sobre várias situações em que o SIRESP não deu boa conta de si… em temporais e incêndios não conseguiu dar a resposta que se esperava. Penso que já deveria ter havido uma resposta a isso, com reforço, melhoramento do sistema. Com certeza que existem soluções de nível técnico, mas é uma área que eu desconheço completamente.
A renegociação levada a cabo durante o governo seguinte àquele que integrou terá agravado as vulnerabilidades?
Não sou capaz de lhe responder a isso. Não sou técnico dessa área. Por um lado, não conheço as alterações introduzidas e, por outro lado, não sou um técnico que me possa pronunciar nesse sentido. Só um técnico, sabendo previamente o que foi cortado, poderá saber se prejudicou ou não (o sistema). Seria uma ousadia da minha parte sobre algo que eu desconheço completamente.