Expresso 40 anos

Porto: sofrer com a centralização dos media

2 dezembro 2013 15:00

Isabel Paulo

Isabel Paulo

Jornalista

Numa visita ao Museu de Imprensa, no Porto, Ana Isabel, Carlos, Afonso e Sara asseguram que não irão desistir do sonho do jornalismo

fernando veludo/ nfactos

O jornalismo e o papel dos media são os temas em debate na última conferência dos 40 anos do Expresso. Crise dos jornais não trava novos candidatos a jornalistas.

2 dezembro 2013 15:00

Isabel Paulo

Isabel Paulo

Jornalista

Aos 25 anos, licenciado em Ciências e Tecnologia do Ambiente, Carlos Pinto deixou a família em estado de choque quando anunciou que queria começar de novo e fazer jornalismo. "Disse-lhes que preferia ser feliz a agarrar-me a algo que nada me dizia." As boas notas no secundário também levaram Ana Isabel Carvalho a optar pelas ciências, mas antes de dar o salto para a faculdade vingou o sonho de menina: ser jornalista. A mãe deu-lhe a mão. O lado masculino da família insistiu que "era melhor não desperdiçar uma área com mais oportunidades de emprego". Conselhos em vão, tal como no caso de Afonso Lau, rendido ao jornalismo desde que, nos escuteiros, foi entrevistado pela Rádio Terra Nova, de Ílhavo. A aspirante a jornalista de televisão Sara Gerivaz também foi pressionada a evitar o mundo das letras, mas agora, a dois meses de trocar o curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras do Universidade do Porto (FLUP) por um estágio curricular, acredita que fez a escolha certa.

Apesar de o mercado da comunicação social no Porto atravessar um período de estrangulamento, Helena Lima, docente da FLUP desde 2000, após ter lecionado na pioneira Escola Superior de Jornalismo do Porto, prefere não deitar água fria nas aspirações dos alunos. "Os primeiros licenciados tiveram pleno emprego. Depois a oferta encolheu, o que leva cada vez mais alunos a ir para assessoria ou multimédia", constata. Ainda assim, mais de metade dos 80 licenciados por ano investem no jornalismo.

Autora do livro "A Imprensa Portuense e os Desafios da modernização, retrato dos centenários 'O Primeiro de Janeiro', 'Comércio do Porto' e 'Jornal de Notícias'", Helena situa a origem da queda da outrora pujante imprensa portuense nos anos da reprivatização dos jornais, "presos a grandes passivos". "A exceção foi 'O Primeiro de Janeiro', o que mais vendia antes do 25 de abril, e que mesmo sem dívidas deu um tiro no pé com a entrada de Freitas do Amaral." No verão quente, o título de campeão de vendas pertencia ao "Comércio do Porto" (130 mil exemplares). À época "ganharam as redações que mais se radicalizaram, à esquerda ou à direita", evoca a docente, muito crítica do jornalismo atual, "sensacionalista, pouco plural e promovido por assessores próximos do poder central".

A fuga para Lisboa da banca, das seguradoras ou das sedes das grandes empresas são, para Manuel Tavares, diretor do "JN" - que se mantém no ativo como grande diário com sede no Porto -, algumas das razões que explicam o declínio da imprensa na Invicta. A isso junta-se a perda de protagonismo político e o "défice do serviço público de televisão: governo após governo, todos têm esvaziado as funções do centro de produção do Porto da RTP".

Rogério Gomes, último diretor do extinto "Comércio do Porto" e administrador do semanário "Grande Porto", que em dezembro passa a mensal em formato magazine, é da mesma opinião, embora defenda que os jornais de grande tiragem vão desaparecer, empurrados pelos novos suportes tecnológicas: "Julgo que a equação vencedora será a dos jornais de nicho ou de cariz local."

Os anos de ouro

Aos 81 anos, Germano Silva, colaborador da "Visão" e do "JN", onde cimentou a sua longa carreira de jornalista, situa a era dourada da imprensa do Porto na década de 60. Na Baixa, num raio de 600 metros, situava-se o coração dos jornais e rádios, com sedes e também delegações de jornais lisboetas. "Todos vendiam bastante", diz, lembrando que quem ia às Antas saía do jogo a correr para comprar o "Norte Desportivo".

Para Francisco Mangas, presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, a crise dos jornais diários na cidade, e um pouco por todo o país, deve-se à falta de diversificação de conteúdos. "É uma desilusão chegar ao fim do dia e não saber em que jornal se leu o quê", comenta o jornalista do "Diário de Notícias", frisando que a realidade dos media afunilou com a concentração dos grupos de comunicação social, com a dispensa de correspondentes e o fecho de delegações. A deslocalização do programa "Praça da Alegria" e do "Jornal da Tarde" do Centro de Produção do Monte da Virgem para Lisboa é uma das suas grandes preocupações. É "mais um sinal de alarme contra o Norte".

Embora a cidade beneficie em informação local com o lançamento do Porto Canal, Francisco Mangas adverte que será sempre uma estação de marca agregada a um clube (FC Porto), "sem independência para vingar como alternativa jornalística". Ponto de vista rebatido por Manuel Tavares, para quem o Porto Canal pode vir a ser "um projeto muito interessante", ao ponto de admitir "sinergias com outros meios de comunicação, como o 'JN', o que potenciará uma informação mais forte, mais viva e mais poderosa". Tavares adianta mesmo que a plataforma "JN Live", para já apenas um acumulador de vídeos, "inclui alguma agregação de conteúdos. Não é ainda uma televisão, mas pode vir a ser".

Nassalete Miranda, penúltima diretora de "O Primeiro de Janeiro" e segunda mulher a liderar um diário depois de Agustina Bessa-Luís (que o dirigiu de 1986 a 1987), recusa-se a acreditar na morte dos jornais em papel. A agora diretora do "As Artes entre Letras", publicação quinzenal com edição online por assinatura e tiragem de 2500 exemplares, acredita que "este jornal de matriz cultural é um exemplo da resistência do papel",

O declínio da comunicação social portuense não pode ser dissociado de um esmorecimento global da vida política, cultural, económica e social da cidade. Houve um tempo em que o dinamismo existente, com jornais e rádios a funcionar na Baixa, correspondia a uma intensa atividade de coletividades como o Cineclube do Porto, o Teatro Experimental, a cooperativa Árvore e pequenas editoras. Os três diários tinham importantes suplementos culturais, e tudo isso se desvaneceu. Como recorda Germano Silva, "os cafés estavam abertos até às 2 horas da madrugada e faziam-se grandes tertúlias oposicionistas na Brasileira", onde os jornalistas apareciam após o fecho das redações. Já nem a Brasileira existe nem as redações fecham tão tarde.

com Valdemar Cruz

 

Colunista de vários jornais durante anos, Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, nota que em Portugal as sinergias de grupo levam sempre à centralização do poder na capital

Quando dirigiu a revista "O Tripeiro" disse que a comunicação social tinha sucumbido à concentração e à ditadura do imediatismo. Porquê?

Por ter abdicado da investigação jornalística. Era uma tradição e perdeu-se, fazendo com que alguns assuntos sejam hipermediatizados. A pesquisa é a marca do bom jornalismo.

O que ditou essa perda?

Resulta da concentração dos media ou de as agências de publicidade e de comunicação estarem muito centradas na capital.

Foi colunista do "Público", "A Bola", "JN" e comentador de TV. Em que suporte se informa?

Gosto de manusear o papel. Assino o Expresso digital, mas só se estiver onde não o possa comprar é que recorro ao iPad.

Com a extinção do "Comércio do Porto" e com "O Primeiro de Janeiro" 'moribundo' pensa que a cidade perdeu influência?

A hiperconcentração dos media em poucos grupos económicos levou ao fenómeno das sinergias, que em Portugal apontam sempre para a centralização. Aí, o Porto andou mal.

O que se poderia ter feito?

Não percebendo que ao ir para modelos sinérgicos a cidade sairia a perder em termos de poder económico e na produção jornalística.

O Porto pode afirmar-se sem uma imprensa forte?

Precisa de ter púlpitos e os media são muito importantes. O nosso protagonismo, das empresas à cultura, ficará coartado se não os reconstruirmos. Daí a preocupação em relação à RTPPorto. Sem o pouco que temos, só seremos notícia nas piores situações. A descentralização tem de ser mais do que uma medida anunciada na Constituição.

Já teve resposta à carta aberta em defesa da RTP-Porto?

Formalmente não. As cartas não foram abertas, mas dirigidas ao ministro Poiares Maduro, com cópias endereçadas ao presidente da RTP.

A sua campanha socorreu-se de comunicação própria, site, facebook, TV. Foi por falta de confiança nos media?

Com orçamento reduzido e fora da esfera dos partidos, tínhamos um défice de visibilidade. Optámos por uma solução inventiva, de transmissão de conteúdos, para chegar aos eleitores...

Informação engagé...

Com certeza. Era o nosso conteúdo programático.

Vai mudar a linha editorial da revista da Câmara?

Vou. Será muito menos institucional, mais virada para a cidade e para os seus protagonistas.

Texto publicado na edição do Expresso de 30 de novembro de 2013