30 dezembro 2022 12:32

lindeblad, matilda
Os vinhos que salvem a crise, é o que se pede
30 dezembro 2022 12:32
É muito complicado falar sobre o ano de 2022 sem ter sempre presente o que nos caiu em cima sem que ninguém esperasse. De repente ficámos todos superinformados sobre a geografia da Ucrânia, sabemos quase tudo sobre mísseis e andamos todos a roer as unhas à conta da inflação, fenómeno que muitos já tinham esquecido. Estou no contingente geral: não sabia onde era Mariupol, pensava que os Patriot eram brinquedos (perigosos) do tempo da guerra do Iraque e que agora a conversa seria outra. Parece que não. No caso dos vinhos, dizer que o ano de 2022 foi atípico é elementar: tudo correu mal até que as vinhas nos vieram recordar que têm mais capacidade de resistência do que nós poderíamos imaginar. Foi assim que sem chuva, com calor a mais e com todas as condições possíveis para que a vindima fosse um desastre, eis senão quando afinal vai ser possível encontrar coisas boas (alguns brancos já os provei) e quem sabe se não será ano de Porto vintage. As vinhas, sobretudo as velhas, sabem muito mais do que nós imaginamos, andam ‘nisto’ há milhares de anos e nós só há 60 descobrimos que há uns bichos que são leveduras e outros que são bactérias. Temos muito ainda que penar…
Como é evidente, o final do ano e o começo de um novo deve ser devidamente assinalado com umas bolhas. Para quem as tiver em casa, as garrafas de champanhe são chamadas à boca do palco. É nesta noite que ‘voa’ grande parte dos 300 milhões de garrafas que a região francesa coloca por ano no mercado. Já o disse várias vezes, é caso para tirar o chapéu aos franceses, que conseguiram elevar o champanhe à bebida de celebração por excelência. Mas bebidas com bolhas produzem-se no mundo todo (e na Crimeia também, já agora…), e em Portugal foi nos finais do século XIX que se fizeram as primeiras experiências de espumantização. O espumante que sugiro hoje é especial: feito com Tinta Roriz (uma das castas que mais controvérsia gera no meio enófilo), tem-se revelado um vinho de excecional qualidade, rivalizando com muito champanhe. Já leva uns bons anos de vida, o que significa que ‘dormiu’ longamente nas caves antes de levar a rolha de cortiça, e essa dormência foi condição sine qua non para que se conseguisse obter um vinho com esta finesse. Claramente vocacionado para ser consumido a solo, pode também ser perfeito parceiro para umas ostras ou para peixes fumados servidos em canapés. O tinto tem origem na Gricha, uma bela propriedade situada na margem sul do Douro, um pouco acima do Pinhão. Ali, e de uma única parcela, fez-se um vinho de Touriga Nacional com quantidades que variam todos os anos, uma vez que “a vinha é que nos diz quanto quer produzir e a variação vai desde as duas mil até às quatro mil garrafas”, diz-nos Johnny Graham, o CEO da empresa. Tratando-se de vinhas com muita personalidade, não podemos exigir mais — é o que elas quiserem. O branco nasceu em Mértola, terra de calores abrasadores mas onde se conseguiu fazer este branco, invernoso mas com muita personalidade.