17 dezembro 2022 18:00
A visão de Guta Moura Guedes sobre o mundo do design
17 dezembro 2022 18:00
O tempo é a tal abstracção que criámos para nos dar conta da nossa própria fragilidade. Mede-se em horas e em minutos, abstracções também, mas mede-se ainda no aroma das madalenas de Proust, nos cigarros pensativos de Eça, nas paisagens amplas de Eastwood, nos intervalos suspensos do trompete de Miles, no ritmo autónomo dos nossos desgostos ou alegrias, no peso ou leveza de um olhar. Cada um de nós tem um tempo próprio, pessoal. O mundo, as coisas no mundo, orgânicas ou não, também. Medi-lo é sempre um acto de relatividade. Posto isto, e observando os séculos do nosso desenvolvimento, a necessidade de criar uma forma comum e comungável de medir o tempo era inevitável. E criaram-se os relógios, máquinas de desenho e escala soberbos e delicados, que vemos integrados em obras de arquitectura, balançando em carros, barcos e aviões, e nos pulsos da humanidade, sobre o corpo. Digitais ou não.
Há umas semanas fui ao Porto e fiz uma rápida visita ao Siza, como faço sempre que posso. Entrei, e o mestre estava a desenhar, não me ouviu chegar. E eu ali fiquei, num tempo sem tempo, quanto tempo terá sido, a vê-lo esquissar, passar o lápis pelo papel, virando a folha, sobre ela inclinado, o pensamento tornado desenho e, antes, movimento. Abstraídos os dois, eu na admiração profunda de algo maior, ele na criação de algo novo, em que o tempo tem sempre algo a dizer.