Design

A eterna leveza da quase transparência. O saber milenar de fazer porcelana veio da China e contaminou o Ocidente com essa beleza ímpar

12 agosto 2022 18:32

Guta Moura Guedes

Tem de se minar uma rocha que é uma varie­dade de feldspato branco e daí fazer os petuntsé, e minar caulino, nome vindo do monte Kao-Ling, branco também, mais raro, o tal tipo de argila especial e fina. Da sua combinação resulta a porcelana

12 agosto 2022 18:32

Guta Moura Guedes

Há uma passagem no livro “A Rota da Porcelana”, de Edmund de Waal, em que ele nos diz que existem materiais que pertencem a uma classe que transmuta os objectos. Quer ele com isto dizer que certos materiais contêm em si essa dimensão acrescentada de conseguirem por eles próprios modificar, alterar ou influenciar a performance de algo que é criado por um designer, um artista, algo feito pela mão humana. Esta ideia de que o material altera a função de um objecto, às vezes de forma subtil, outras de forma muito visível, nem sempre é explorada como poderia ser pelos designers ou por outros autores. Mas algumas matérias, pela exigência e conhecimento que requerem para serem trabalhados, vão-se impondo precisamente através desta característica.

É o caso da porcelana, que é feita há mais de mil anos na China e que existe na Europa há oito séculos. Em si mesma ela representa uma transmutação alquímica, pois pressupõe uma transformação na sua génese. Durante 500 anos, na Europa, ninguém soube como era feita. Marco Polo descreveu nas suas histórias, depois de 1219, depois do seu regresso de Catai, “os recipientes brancos, grandes e pequenos, de uma beleza incomparável”. Com ele aprendemos pela primeira vez sobre essa terra farelenta, argilosa, que é extraída e acastelada em montes e deixada ao vento, à chuva e ao sol durante 30 ou 40 anos até se tornar uma argila fina. E o mais importante é que é o homem que faz este material — não se mete uma pá e retira porcelana do chão, ela é fabricada misturando dois tipos de matérias-primas. Tem de se minar uma rocha que é uma varie­dade de feldspato branco e daí fazer os petuntsé, e minar caulino, nome vindo do monte Kao-Ling, branco também, mais raro, o tal tipo de argila especial e fina. Da sua combinação resulta a porcelana. Que tem muitas variações, consoante as respectivas percentagens em que são combinados os dois elementos, escolhas que lhe dão mais ou menos transparência, mais ou menos resistência, mais ou menos peso, mais ou menos elasticidade. E com mais variantes ainda desde que começou a ser feita na Europa, onde a Alemanha e a Holanda têm papel de destaque.