Planetário

Mulheres que pintam mulheres. “Quando o racismo e o sexismo já não estiverem na moda, quanto vai valer a sua coleção de arte?”

13 agosto 2022 19:36

João Pacheco

Ao longo dos últimos cem anos e sobretudo nas últimas décadas, tem vindo a ser cada vez mais abandonado o paradigma do pintor-homem

13 agosto 2022 19:36

João Pacheco

Os pintores são homens que pintam quadros. As mulheres aparecem nos quadros dos pintores e muitas vezes estão nuas. Esses são antigos lugares-comuns da pintura que estão mais do que ultrapassados, parecendo agora ridículos. Ao longo dos últimos cem anos e sobretudo nas últimas décadas, tem vindo a ser cada vez mais abandonado o paradigma do pintor-homem. E há agora pintoras reconhecidas em número suficiente para ocupar as melhores salas dos mais importantes museus do mundo, com grandes exposições retrospetivas. Aliás, essa é uma das atuais tendências internacionais. E pode ser observada tanto em pequenas instituições culturais como em grandes acontecimentos artísticos, como a Bienal de Veneza, que tem a atual edição focada no trabalho de artistas mulheres. A propósito, há um póster famoso do coletivo norte-americano Guerrilla Girls em que se aproveita a estética publicitária, com o slogan “Do Women Have To Be Naked To Get Into the Met. Museum?” Ou seja: “Será que as mulheres têm de estar nuas para entrar no Met. Museum?”. O slogan é completado pela imagem de uma mulher nua deitada. E não é uma mulher nua qualquer. Trata-se da mulher pintada por Jean-Auguste-Dominique Ingres no quadro “Une odalisque, dite La grande odalisque” (1814), que é uma das moradoras famosas do Louvre, em Paris. Mas, neste caso, a cara de mulher com turbante surge substituída por uma cabeça de gorila, em esgar de fúria. E a odalisca-gorila mostra-se acompanhada por estes dados estatísticos: menos de 5% dos artistas nas secções de Artes Modernas são mulheres, mas 85% dos nus são femininos. Este póster é de 1989 e hoje pode parecer engraçado, por já ter sido em parte ultrapassado pela evolução do mundo da arte contemporânea, quer estejamos a falar sobre mercados, sobre divulgação mediática ou sobre museologia.

A história das Guerrilla Girls começou em 1984, no contexto de uma exposição no MoMa, em Nova Iorque. Chamava-se “International Survey of Painting and Sculpture” e tinha obras de 169 autores. Mas menos de 10% desses artistas eram mulheres. Ao longo de anos de guerrilha pacífica e eficiente, as Guerrilla Girls foram depois alargando o espectro de crítica, atacando também o racismo no mundo das artes. Em 1989, fizeram por exemplo uma campanha com este slogan em inglês, em jeito de pergunta dirigida aos colecionadores de arte: “Quando o racismo e o sexismo já não estiverem na moda, quanto vai valer a sua coleção de arte?”