Adaptação americana de uma série policial da BBC, “Accused” foca-se em gente privilegiada e levada pelo crime à barra dos tribunais. Está a ser um êxito nos EUA, por cá passa no AXN. Esta quinta-feira há novo episódio
Este novo projeto de Howard Gordon — autor entre outros de “Segurança Nacional” e “24”, que lhe valeram Emmys — tem uma origem peculiar pois vem de uma homónima série de antologia da BBC, com assinatura de Jimmy McGovern, exibida entre 2010 e 2012. Trata-se pois de uma variação americana de uma série que, há uma dúzia de anos, juntou deste lado do Atlântico gente tão célebre como Naomie Harris, Andy Serkis, Christopher Eccleston e (a entretanto oscarizada) Olivia Colman, notável atriz, por sinal.
Engraçado é reparar contudo que só com muito boa vontade (e pese embora o título repetido) se pode chamar a este novo “Accused” um remake. A série anterior de McGovern introduzia a cada episódio um protagonista diferente a contas com a justiça (no momento do seu julgamento) e, em flashback, os motivos que o tinham conduzido àquela situação (a história do crime que a personagem tinha cometido ou na qual se envolvera).
De facto, Howard Gordon manteve esta estrutura de base. Acontece que McGovern focava-se em histórias de operários fabris, outsiders de toda a espécie, marginalizados, mães solteiras, enfim, gente aflita, do submundo, abaixo da classe média, à boa moda daquele realismo britânico cinzento a clamar por justiça social. Isto é: não eram só os criminosos que eram culpados. Eram também culpadas as condições sociais em que eles estavam inseridos.
Este “Accused” americano parece mais interessado em assuntos ultrajantes, em escândalos de primeira página, do que em casos humanos individuais
Howard Gordon, por seu lado — e tanto quanto nos foi possível apurar nos primeiros episódios da nova série — trocou aquelas figuras por gente abastada que a vida privilegiou, invertendo por completo a situação. Aqui, as casas são mansões, os carros têm alta cilindrada e é chique o guarda-roupa dos réus, num lifting que está a saber colher os seus frutos: a série recebeu ótimas respostas de audiência dos Estados Unidos. Ricos e poderosos a derraparem tem outro sabor e decerto faz disparar interesses que têm muito a ver com o tempo em que vivemos.
A série está-se nas tintas para defender questões de ética e de integridade moral, preferindo incidir em protagonistas que são lobos em pele de cordeiro. Prova disso é a personagem de Michael Chiklis no episódio-piloto transmitido pelo AXN desta quinta-feira (realiza Michael Cuesta), um poderoso neurocirurgião incapaz de lidar em casa com a crise de identidade do filho adolescente. Durante grande parte do episódio, o espectador vai saber mais do rapaz do que o pai dele e toma o filho por vilão.
Mas à medida que a história avança, menos certezas temos dela. E o que começa a ganhar relevo, pelo contrário, não é a maldade do filho mas o egoísmo do pai, que cresce até à tentação do filicídio. Este “Accused” americano parece mais interessado em assuntos ultrajantes, em escândalos de primeira página, do que em casos humanos individuais.
Os 44 minutos de duração não permitem, de resto, que as personagens se desenvolvam como algumas mereciam. Quando nos são apresentadas, elas estão já fadadas para desfechos que não têm retorno. Mas os tópicos e os dilemas lançados são fortes e viscerais (num dos casos, um pai é persuadido por amigos a punir severamente um estranho que molestou a sua filha num parque). Visam repressões coletivas e desejos violentos que não respondem à razão, como tantas vezes acontece agora com os julgamentos sumários das redes sociais.
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