Música

“Mein Traum”: concerto antológico na Gulbenkian e um disco para recordar

4 novembro 2022 9:33

Degout é um cantor admirável, capaz de encarnar convincentemente tanto a revolta furiosa como a ternura amável

jorge carmona/gulbenkian música

Grande espetáculo na Gulbenkian com os Pygmalion e o “imenso barítono” Stéphane Degout, poucas semanas após a edição em disco de “Mein Traum”. Uma dupla satisfação

4 novembro 2022 9:33

Raphaël Pichon, diretor dos Pygmalion (agrupamento de coro e orquestra em instrumentos de época fundado em 2006 e atualmente em residência na Ópera Nacional de Bordéus), gosta das associações laterais. Fragmenta as obras e cola os bocados de peças diferentes sem atender à sua origem. O resultado é revelador porque o todo é sempre maior do que a soma das suas partes (geniais). Fez isso com a trilogia DaPontiana de Mozart em “Libertà” (Expresso, 9 de maio de 2020), repetiu a receita com as Filhas do Reno nos seis capítulos de “Rheinmädchen” (combinando obras de Schubert, Schumann, Brahms e Wagner), e dá-nos agora em “Mein Traum” o mais completo e exaltante de todos os ramalhetes, juntando Weber aos favoritos Schubert e Schumann. (Schubert aparece também sob as vestes — isto é, orquestrações — de Liszt e Brahms.). O disco (Harmonia Mundi), gravado em dezembro de 2020 na Philharmonie de Paris, foi lançado a 7 de outubro deste ano; duas semanas depois, tínhamos o concerto — programado para a temporada passada — ao vivo na Gulbenkian (mas sem a ‘Ave Maria’ e Sabine Devieilhe, outra grande cantora francesa).

“Mein Traum” (O Meu Sonho) marca a segunda grande colaboração de Pichon com Stéphane Degout, este porventura o maior cantor francês da atualidade. Em 2020 tinham produzido o projeto “Enfers” — um encontro operático de Rameau com Gluck (e a ajuda de J.-F. Rebel) numa imaginária Missa de Defuntos. Agora o pretexto foi um curto texto onírico (1822) de Franz Schubert (1797-1828), a que o irmão, Ferdinand (em casa do qual Franz morreu), deu o nome de “Mein Traum”. (Franz e Ferdinand eram dois de 14 irmãos, nove dos quais morreram na infância.) Saúda-se o regresso do indispensável programa de sala, mas infelizmente o texto de Schubert primava pela ausência (!), como também não constavam os textos dos poemas. É verdade que as letras cantadas apareceram projetadas durante a execução, mas não os títulos nem os autores (de uma quinzena de peças envolvendo cinco compositores)! Em compensação tivemos de gramar na sala os logótipos dos patrocinadores... Poupança ou desleixo? Em ambos os casos, o sinal é alarmante.