Um festival cujo cartaz, para lá de outras preciosidades, apresenta desta quinta-feira a sábado a magia e a grandeza de um grupo como o do argentino Guillermo Klein y los Guachos, a surpreendente voz de uma muito jovem Samara Joy, a serenidade e a quase volúpia musical dos franceses do Belmondo Quintet, ou um baterista como Joe Dyson, com quem toda a gente parece querer partilhar palco, tem de assumir-se como um dos pontos de referência das grandes rotas do jazz tocado na Europa. É esse o patamar atingido pela 23ª edição do Angrajazz-Festival Internacional de Jazz de Angra do Heroísmo.
A Ilha Terceira, nos Açores, continua assim a impor-se como um espaço privilegiado para o encontro com muitas das melhores propostas desenvolvidas no mundo do jazz, sejam elas oriundas do outro lado do Atlântico, ou concebidas e desenvolvidas na Europa ou mesmo em África. É curioso, de resto, constatar como a organização do certame tem sempre a preocupação de estabelecer uma espécie de dicotomia ou contrapeso entre concepções e abordagens que acabam por ter diferenças assinaláveis conforme a origem geográfica dos músicos envolvidos. Mesmo se muitas vezes procuram percorrer os mesmos caminhos, acabam sempre por chegar a resultados diferentes. Será assim logo na primeira noite, esta quinta-feira às 21h30, com a habitual abertura do Festival a cargo da Orquestra Angrajazz, criada em 2002 de forma a materializar o projeto de formação da Associação Cultural Angrajazz. A direção musical é de Pedro Moreira e Claus Nymark. Com dois discos gravados e apresentações ao vivo com alguns dos grandes nomes do jazz feito em Portugal, a Orquestra, embora trabalhe em condições muito particulares, dadas as limitações de recrutamento de músicos no arquipélago, tem, ainda assim, conseguido desenvolver programas muito estimulantes e de progressiva qualidade. O programa da noite incluirá arranjos de temas de Charles Mingus, Benny Golson, Sonny Rollins e Lee Morgan.
Na segunda parte o palco será todo para Joe Dyson, hoje visto como um dos mais estimulantes bateristas da cena jazz e o homem com quem todos ambicionam tocar. Uma das mais recentes associações de Dyson tem sido no Side Eye Trio, constituído ainda pelo guitarrista Pat Metheney e o pianista e compositor James Francies. O alinhamento deverá ser construído à volta do primeiro disco enquanto líder, intitulado “Look Within” e lançado o ano passado. Se é verdade que a terra onde nascemos nunca sai de nós, isso é muito perceptível nas composições e nas sonoridades de Joe Dyson. New Orleans é a sua origem e isso nota-se, mesmo se cada vez mais há no baterista o impulso de se abrir aos múltiplos caminhos e possibilidades oferecidas pelos seus muitos contactos musicais em diferentes latitudes. Acompanham-no o trompetista Steve Lands, o pianista Oscar Rosignoli, o sax tenor Stephen Gladney, e Barry Stephenson no contrabaixo.
Para a segunda noite dividem-se as expectativas entre o que possa ser a prestação de uma muito jovem estrela em ascensão, a cantora Samara Joy, e a poderosa musicalidade do Pedro Moreira Sai Ensemble. Cabe ao agrupamento português abrir as hostilidades a partir de um dos grandes discos de jazz lançados por músicos nacionais em 2021. “Two Maybe More” foi um dos registos musicais mais aclamados do ano, e não apenas por Pedro Moreira ter conseguido congregar uma formação, pelo menos invulgar, constituída por oito saxofonistas. O desafio era maiúsculo, mas plenamente conseguido com o contributo de grandes músicos, como o mentor do projeto, além de Ricardo Toscano e Daniel Sousa no sax alto, Mateia Dolsak no tenor, Francisco Andrade e João Capinha no barítono, Bernardo Tinoco e Tomás Marques no soprano, além de Mário Franco no contrabaixo, e Luís Candeias na bateria.
Avançada a noite, será tempo de ouvir Samara Joy, à volta de quem têm sido criadas grandes expectativas. Natural do Bronx nova-iorquino, onde continua a residir, cresceu num ambiente musical. Desde muito cedo os pais lhe reconheceram especiais dotes artísticos, que deveriam ser explorados e trabalhados. Num primeiro momento quis ser atriz e essa entrega terá sido decisiva para um crescimento musical feito de uma enorme capacidade de corporizar alegrias ou angústias, próprias e alheias. O modo como se canta é muitas vezes o melhor retrato dos estados de alma. E isso, Samara Joy, não obstante os seus 22 anos, tem-no conseguido de forma notável. Sem perder nunca de vista o seu próprio caminho, sabe iluminá-lo com a luz de algumas das suas grandes referências, como Sarah Vaughan ou mesmo Carmen McRae.
Aproxima-se o fim. A última noite começa em família, com os irmãos Belmondo, nomes de referência do jazz feito em França. Lionel toca saxofone e Stéphane, que chegou a andar em digressão com Milton Nascimento, toca trompete. Estiveram ambos em Espinho em junho passado a abrir o Festival internacional de Música daquela cidade na companhia da Orquestra Clássica de Espinho. Foi um grande concerto de celebração musical, na senda do que tem vindo a acontecer com o reencontro artístico dos irmãos dez anos após terem gravado o seu último álbum em conjunto. “Brotherhood” veio a público o ano passado e recupera as linhas de força que sempre caracterizam uma paleta muito devedora de nomes como Wayne Shorter ou Miles Davis.
O grande final fica a cargo de uma espécie de constelação de estrelas. Guillermo Klein y Los Guachos fecha o festival. Em palco estarão 11 músicos, entre os quais algumas das estrelas do jazz contemporâneo, como o sax alto Miguel Zénon (esteve com o seu quarteto no Angrajazz 2019), Bill McHenry (sax tenor e compositor com mais de 12 álbuns editados em seu nome), o sax barítono Chris Cheek, um dos mais relevantes saxofonistas dos EUA, com várias presenças em Portugal. Já tocou na Casa da Música e teve papel preponderante no primeiro álbum da Orquestra Jazz de Martosinhos, datado de 2006. Ao trompete está o argentino Diego Urcola, durante muitos anos membro do quinteto de Paquito de Rivera. E, claro, o próprio Guillermo Klein, na voz e piano. O também compositor argentino cultiva um arco-íris de influências nas suas propostas musicais. Vai beber em múltiplas fontes, desde a música popular à música erudita, para trabalhar tudo com uma enorme subtileza, ao ponto de tornar cristalino o que à partida poderia parecer complexo. Não por acaso, “Cristal” é o título dada ao seu último trabalho, datado de 2019, e que com o seu tributo a Carlos Gardel, deve em grande parte ser apresentado em Angra do Heroísmo.
Com dois concertos por noite, sempre a partir das 21h30, os acessos ao Angrajazz custam €5 por noite nas bancadas, para jovens ou maiores de 65 anos, ou €50 para as três noites do festival, com direito a mesa frente ao palco.
Avançada a noite, será tempo de ouvir Samara Joy, à volta de quem têm sido criadas grandes expectativas. Natural do Bronx nova-iorquino, onde continua a residir, cresceu num ambiente musical. Desde muito cedo os pais lhe reconheceram especiais dotes artísticos, que deveriam ser explorados e trabalhados. Num primeiro momento quis ser atriz e essa entrega terá sido decisiva para um crescimento musical feito de uma enorme capacidade de corporizar alegrias ou angústias, próprias e alheias. O modo como se canta é muitas vezes o melhor retrato dos estados de alma. E isso, Samara Joy, não obstante os seus 22 anos, tem-no conseguido de forma notável. Sem perder nunca de vista o seu próprio caminho, sabe iluminá-lo com a luz de algumas das suas grandes referências, como Sarah Vaughan ou mesmo Carmen McRae.
Aproxima-se o fim. A última noite começa em família, com os irmãos Belmondo, nomes de referência do jazz feito em França. Lionel toca saxofone e Stéphane, que chegou a andar em digressão com Milton Nascimento, toca trompete. Estiveram ambos em Espinho em junho passado a abrir o Festival internacional de Música daquela cidade na companhia da Orquestra Clássica de Espinho. Foi um grande concerto de celebração musical, na senda do que tem vindo a acontecer com o reencontro artístico dos irmãos dez anos após terem gravado o seu último álbum em conjunto. “Brotherhood” veio a público o ano passado e recupera as linhas de força que sempre caracterizam uma paleta muito devedora de nomes como Wayne Shorter ou Miles Davis.
O grande final fica a cargo de uma espécie de constelação de estrelas. Guillermo Klein y Los Guachos fecha o festival. Em palco estarão 11 músicos, entre os quais algumas das estrelas do jazz contemporâneo, como o sax alto Miguel Zénon (esteve com o seu quarteto no Angrajazz 2019), Bill McHenry (sax tenor e compositor com mais de 12 álbuns editados em seu nome), o sax barítono Chris Cheek, um dos mais relevantes saxofonistas dos EUA, com várias presenças em Portugal. Já tocou na Casa da Música e teve papel preponderante no primeiro álbum da Orquestra Jazz de Martosinhos, datado de 2006. Ao trompete está o argentino Diego Urcola, durante muitos anos membro do quinteto de Paquito de Rivera. E, claro, o próprio Guillermo Klein, na voz e piano. O também compositor argentino cultiva um arco-íris de influências nas suas propostas musicais. Vai beber em múltiplas fontes, desde a música popular à música erudita, para trabalhar tudo com uma enorme subtileza, ao ponto de tornar cristalino o que à partida poderia parecer complexo. Não por acaso, “Cristal” é o título dada ao seu último trabalho, datado de 2019, e que com o seu tributo a Carlos Gardel, deve em grande parte ser apresentado em Angra do Heroísmo.
Com dois concertos por noite, sempre a partir das 21h30, os acessos ao Angrajazz custam €5 por noite nas bancadas, para jovens ou maiores de 65 anos, ou €50 para as três noites do festival, com direito a mesa frente ao palco.
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