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Livros: O mito e o martírio de Santa Evita Perón

23 abril 2023 8:46

Luís M. Faria

texto

Jornalista

luis robayo/afp via getty images

Aliada dos ‘descamisados’, Eva Perón faleceu na altura ideal para a lenda — 33 anos, a idade de Cristo quando foi crucificado. “Santa Evita”, de Tomás Eloy Martínez, conta “a história da morte fluindo para a frente”

23 abril 2023 8:46

Luís M. Faria

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Jornalista

A veneração do cadáver dos santos é uma antiga tradição religiosa que transitou para os regimes comunistas, com santos seculares como Lenine e Mao preservados para o futuro em exposição pública. Na Argentina, a principal santa não é um líder político mas a mulher de um, o Presidente que deu origem ao movimento populista que leva o seu nome. Há quem diga que Eva Perón foi tão importante como o seu marido na definição ideológica do peronismo. O que não consente dúvida é o seu estatuto de heroína popular, materializado no diminutivo afetuoso que um célebre musical inglês mais tarde usou como título. Aliada ostensiva dos pobres, a quem chamava ‘descamisados’, Evita faleceu na altura ideal para a lenda — 33 anos, a idade de Cristo quando foi crucificado. O seu último desejo terá sido que não a esquecessem, e o viúvo fez os possíveis para o realizar. Chamou um especialista espanhol para embalsamar o corpo, instalou-o à vista do público num edifício emblemático do regime e concebeu um mausoléu que deveria ser maior do que a “Estátua da Liberdade” para o acolher em definitivo.

Um golpe militar que depôs Perón abortou esses planos. Receosos de que o corpo se tornasse um foco de resistência, os oficiais tiraram-no do local onde se encontrava e fizeram-no desaparecer. O mistério deu origem a todo o tipo de especulações, bem como a ações armadas para exigir a devolução do corpo. Quando ele finalmente reapareceu, ainda houve mais alguns trâmites até regressar à Argentina e receber finalmente a sepultura digna, e em princípio segura, que lhe era devida.