Livros

Livros: Karl Ove Knausgård põe caranguejos na floresta

18 março 2023 17:33

“Debaixo das Estrelas” [ou “A Dança da Vida”], um quadro de Edvard Munch, pintor norueguês sobre o qual Knausgård publicou um ensaio em 2019

Em “A Estrela da Manhã”, o seu primeiro romance desde “A Minha Luta”, Karl Ove Knausgård volta a revelar uma ambição literária desmedida, mas perde-se algures pelo caminho

18 março 2023 17:33

De férias com a família na costa norueguesa, durante um agosto tórrido, Arne, um professor universitário de literatura, sabe que está num lugar de negrume. Sente dentro de si uma “espécie de reino da negatividade”, que o leva a desistir ou a abster-se de “fazer coisas”. O surto psicótico da mulher não ajuda. Sem querer, Tove, artista plástica instável e com problemas mentais, pisou o gatinho que os filhos gémeos adoram e foi Arne que o teve de enterrar no jardim. As conversas sobre o divino e a vida depois da morte, com Egil, um vizinho solitário, filosofante e aborrecido, só o deprimem. Por isso, embebeda-se aos poucos. Não lhe apetece fazer o jantar. A filha mais velha que descongele uma piza. Decide sair com o carro, para comprar cigarros. Depara então, na estrada da floresta, com centenas de caranguejos. Ali, longe do mar. “Era como se os caranguejos estivessem a responder ao apelo de um poder superior. Como se uma luz os guiasse.” E de repente o céu flameja, iluminado por um corpo celeste imenso, em ascensão.

A imagem da estrela a erguer-se majestosa e o comportamento bizarro dos animais (falcões, gamos, joaninhas) repete-se ou ecoa nos relatos dos nove narradores que vão apresentando, à vez, os seus universos pessoais, desestabilizados também eles, como os caranguejos, por algo que os desloca do lugar onde deveriam estar. São vidas relativamente vulgares, cheias de pequenos dramas e angústias, existências que Knausgård descreve com uma exaustividade e minúcia, sobretudo na observação das banalidades quotidianas, que já conhecíamos dos seis volumes de “A Minha Luta” — o projeto de autoficção radical, em que narrou sem qualquer filtro, nem pudor, tanto os momentos essenciais da sua vida (os dilemas e crises, os conflitos familiares, o naufrágio do casamento) como os acontecimentos insignificantes do dia a dia (fumar na varanda, fazer compras no supermercado, ir buscar os filhos ao infantário).