31 dezembro 2022 10:59

Joe Sacco esteve nos territórios ocupados por Israel e confirmou uma outra possibilidade de fazer jornalismo, que inspiraria outros a seguir. Uma nova edição de “Palestina” repõe nas livrarias portuguesas um livro essencial
31 dezembro 2022 10:59
Entre 1991 e 1992, o jornalista norte-americano Joe Sacco rumou aos territórios ocupados da Palestina e reportou o que viu e ouviu numa série de fascículos em banda desenhada, que acabariam por tornar-se uma obra fundamental por diversos motivos. O primeiro, claro, foi de ordem jornalística: a cobertura do conflito israelo-palestiniano na imprensa norte-americana era profundamente tendenciosa, alimentando um maniqueísmo básico que apresentava os palestinianos como terroristas e os soldados israelitas como heróis.
Com “Palestina”, entretanto lançado como livro, Sacco afirmou a possibilidade de fazer jornalismo em banda desenhada, uma linguagem com enorme potencial para reportar, e desde então essa possibilidade tem sido reconhecida no trabalho de muitos outros autores. Num registo que começa com grandes planos picados e vai sendo trabalhado até alcançar um realismo bem equilibrado com o traço devedor do cartoon, Sacco faz aquilo que um jornalista deve fazer: escuta, pergunta, procura. Sem heroísmos romanceados, avança por entre terras arrasadas, ouve as histórias de presos aleatórios, interrogatórios em hospitais, uma impunidade de que só um ocupante com muito apoio internacional pode gozar. Esta é a história contada pelos que se viram dominados, mas nem por isso o autor cede ao maniqueísmo que sempre leu na imprensa norte-americana. Aqui não há hagiografia das vítimas nem romantização da resistência — mas há vítimas e há resistência, e não é preciso procurar muito para as encontrar. A nova edição da Tigre de Papel repõe nas livrarias portuguesas uma das obras fundamentais do final do século passado., à qual se junta um prefácio de Sandra Monteiro, do “Le Monde Diplomatique”, um texto de Edward Said e um dossiê com textos de Sacco, esboços e outros materiais. Numa edição futura, importa corrigir os erros de hifenização que mancham os textos introdutórios. / Sara Figueiredo Costa