Livros

Uma narrativa sobre um amor absoluto que resiste a tudo, O novo livro de Djaimilia Pereira de Almeida

30 dezembro 2022 16:59

Desde que se estreou com “Esse Cabelo”, há sete anos, Djaimilia Pereira de Almeida (nascida em Luanda, 1982) já publicou 11 livros

nuno fox

Numa narrativa sobre um amor absoluto que resiste a tudo, Djaimilia Pereira de Almeida volta a esticar os limites da sua prosa, levando-nos para fora de pé

30 dezembro 2022 16:59

Vera e Albano amam-se há três décadas. Apaixonaram-se em “miúdos” e atravessaram a vida adulta como tantos outros casais, procurando não ceder ao tédio da rotina e às chicotadas da vida real. Os sonhos de se tornarem escritores evaporaram-se rapidamente, ela deixou o mestrado a meio, perdeu um bebé e a esperança de voltar a engravidar. Ele sofreu um esgotamento durante dois anos, perdeu vários empregos e talvez o foco. Conheceram a miséria, a fome, a pobreza. Mas sobreviveram, seguindo juntos, remando com as mãos numa “jangada” que é o amor que desde sempre os uniu. Um desses amores absolutos, raríssimos, que funciona como “entidade única, feita de dois diferentes, nem homem nem mulher, mas ser não-binário, feito do que era homem e mulher um no outro, alimentado por dois corações tornados um só, siamesa criatura total em que a participação de um e do outro se dava como funcionam duas peças num mecanismo, ou, antes, como duas nuvens sopradas pelo mesmo vento”.

O que Djaimilia Pereira de Almeida nos apresenta em “Ferry” é um tremendo teste de resistência a este amor, confrontando-o com a mais devastadora das ameaças. No dia do 52º aniversário de Albano, a doença mental de Vera (quatro anos mais nova), que já se vinha insinuando, explode durante a festa familiar, por ela confundida com a celebração da formatura da filha, Mariana, a filha muito desejada mas que nunca chegou a existir. Se era verdade que “o mundo podia pender para um lado ou para o outro, avançar no sentido da ordem ou no sentido do caos”, neste momento resvala definitivamente para a desordem. Dentro de Vera, que uma médica diagnostica como tendo “demasiada imaginação”, surge outra Vera, uma parte de si que a nega e sabota, com a qual se consumirá numa guerra sem quartel. “Uma levanta-se para agarrar o dia pelos cornos”, enquanto a outra se põe “às suas cavalitas, como um peso morto, para a derrubar e acabar com ela”.