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Mohamed Mbougar Sarr, o senegalês de 32 anos que ganhou o Prémio Goncourt criticando o meio literário francês

17 dezembro 2022 10:18

Aos 32 anos, Mohamed Mbougar Sarr triunfa no meio literário francês (ganhando o Prémio Goncourt 2021) com um livro pouco meigo para o meio literário francês

joel saget/afp via getty images

O primeiro escritor subsaariano a vencer o Prémio Goncourt, a maior distinção literária da língua francesa, é Mohamed Mbougar Sarr, senegalês, que escreveu uma espantosa reflexão sobre o poder, os esplendores e os limites da literatura

17 dezembro 2022 10:18

Em 1938, um jovem senegalês, T. C. Elimane, publica em Paris um primeiro romance que depressa se torna uma obra mítica e maldita. “O Labirinto do Inumano”, história de um rei sanguinário disposto a cometer o Mal absoluto para alcançar o poder total, é um livro magnético que apanha o meio literário parisiense de surpresa. Há quem se renda ao seu génio literário, há quem duvide que um autor não-branco possa escrever assim, há quem o considere pouco africano (isto é, não suficientemente exótico), há quem veja em Elimane um “Rimbaud” negro. As querelas entre críticos acentuam-se quando um académico acusa o escritor de ter plagiado o mito fundador de um povo remoto (os Basseres) e outro estudioso identifica dezenas de “empréstimos” — passagens inteiras das obras mais famosas do cânone ocidental inteligentemente urdidas na prosa sofisticada de Elimane. Na sequência do escândalo, a editora retira o livro de circulação, destrói os exemplares não vendidos e o escritor desaparece do mapa, remetendo-se a um silêncio que não volta a ser quebrado. Ou seja, Elimane transforma-se numa lenda, num mito. E o seu romance passa a pertencer “à outra história da literatura (que talvez seja a verdadeira história da literatura): a dos livros perdidos num corredor do tempo, nem sequer malditos, mas simplesmente esquecidos, e cujos cadáveres, ossos, solidões, juncam o chão de prisões sem carcereiros”.

Setenta anos mais tarde, outro jovem senegalês, Diégane Latyr Faye, a viver na capital francesa com uma bolsa de doutoramento em estudos literários, alimenta o sonho de escrever um “grande romance, ambicioso e decisivo”. A sua primeira experiência, com uma ficção excessivamente pessoal sobre um desastre amoroso (“Anatomia do Vazio”), foi um fiasco que o embaraça, mas o horizonte da literatura acaba por atraí-lo de outra maneira, na figura do esquivo T. C. Elimane. Quando encontra por mero acaso uma escritora senegalesa sexagenária e escandalosa, Maréme Siga D., com fama de “pitonisa maléfica”, e ela lhe entrega um exemplar raríssimo do livro proscrito, depois de o atrair para o centro da sua teia de aranha, composta por “milhares de fios de seda, mas também de aço e talvez de sangue”, não há retorno possível. Ele entrou na espiral obsessiva da busca por Elimane, pelos seus rastos, pela explicação do seu mistério, e nunca mais de lá sai.