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Livros: como um Nobel da Economia pensa o mundo

4 dezembro 2022 20:27

Luís M. Faria

Amartya Sen é professor de Economia e Filosofia na Universidade Harvard

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Amartya Sen, Nobel da Economia em 1998, escreveu a primeira parte de uma autobiografia que é uma viagem à Índia da pré e pós-independência

4 dezembro 2022 20:27

Luís M. Faria

Amartya Sen (n. 1933; Nobel da Economia em 1998) é um dos grandes pensadores do nosso tempo, com um poder de atração que ultrapassa o meio académico. A curiosidade biográfica é inevitável, sobretudo em relação à sua evolução intelectual, e este livro mostra até que ponto ela se justifica. O título — uma alusão ao famoso romance de Tagore — representa bem a segurança com que Sen transita entre pontos físicos e intelectuais diferentes.

Isto dito, os seus interesses profissionais são indissociáveis dos lugares onde cresceu, na Índia pré e pós-independência. Tanto a teoria da escolha social como os estudos sobre fome e bem-estar tinham óbvia relevância numa democracia nova com as características da indiana. O primeiro encontro pessoal de Sen com uma vítima desse flagelo, ainda na infância, foi um evento importante. Não se pode compará-lo ao momento em que o príncipe Sidarta viu o sofrimento pela primeira vez, até porque Sen nunca viveu fora do mundo — ou não viesse de uma distinta família de professores — mas foi suficientemente marcante para ele ainda hoje o recordar, notando a ligação entre fome prolongada e loucura. A grande fome de Bengal matou milhões de pessoas e continua a ser tema de polémicas. Sen concluiria que o problema não tinha a ver com falta de comida, mas com questões de acessibilidade. Lembra que as fomes a essa escala terminaram após o período colonial na Índia, em parte graças a instituições como a democracia e a liberdade de expressão, deixadas pelos britânicos. De Daca para Santiniketan e depois Calcutá, o percurso entre escolas é descrito afetuosamente. Em 1953, Sen ingressou no Trinity College, em Cambridge. Como já se verificara, a capacidade de fazer amizades valiosas parece ter sido uma constante. “Tive muita sorte com os meus colegas, e não há dúvida de que a minha personalidade teria sido bastante diferente se não fossem as relações afetuosas e criativas com os meus amigos mais próximos”, escreve. “Na literatura tanto se escreveu sobre o amor e tão pouco sobre a amizade que há uma verdadeira necessidade de restabelecer o equilíbrio.” Nessa existência quase encantada, também houve sofrimento. Na juventude foi-lhe diagnosticado um cancro na boca e uma esperança de vida curta. A medicina e a natureza decidiram de outra forma. Isento dos detalhes íntimos que alimentam tantas memórias pessoais, “Em Casa no Mundo” é a autobiografia de um homem de sorte que foi uma sorte para o mundo. / Luís M. Faria