6 novembro 2022 19:42

Bastou o espaço de uma geração para a Rússia mergulhar num novo género de autocracia
max ryazanov/getty images
Jornalista e ativista, Masha Gessen narra a evolução da Rússia nas últimas quatro décadas, através do percurso de quatro jovens para quem a liberdade é importante
6 novembro 2022 19:42
Quem já era adulto quando Putin se tornou Presidente não terá ficado surpreendido com a transformação da Rússia pós-soviética numa autocracia. Os países, como as pessoas, costumam mudar pouco, e as condições para um regresso a uma tradição repressiva — com modificações substanciais, mas ainda assim — estavam lá todas. O facto de Putin provir do KGB/FSB e de ter sido o seu diretor estava longe de ser tranquilizador. A forma como ele chegou ao poder, pela mão de um Presidente que tinha passado os últimos anos a experimentar primeiros-ministros à medida que o seu próprio tempo no cargo se esgotava, também não augurava nada de bom. A popularidade de Putin foi construída com base numa guerra lançada com pretextos suspeitos, e a sua nomeação-surpresa como presidente interino à entrada do ano 2000, quando toda a gente estava distraída a festejar, foi um gesto de habilidade algo excessiva.
Em todo o caso, o fim súbito de um Estado totalitário em decadência jamais poderia trazer o advento imediato de uma democracia, muito menos de uma democracia próspera. Trouxe, sim, dez anos de caos económico e social que destruíram ilusões irrealistas. Quando Putin assumiu a presidência, em 2000, a população, mais do que tudo, queria ordem, e foi ordem que ele lhe deu. Nessa fase, a liderança de Putin era indiscutível. Quando as condições económicas começaram a mudar, ele já tinha consolidado o seu poder, apossando-se dos principais media, em especial a televisão, e neutralizando outros centros de poder, desde os oligarcas até aos governadores regionais. Quanto a eventuais rivais políticos, foram sendo eliminados por meios que iam de processos judiciais a assassínios, passando pela própria falta de acesso aos media.