Livros

“Estes Dias”, de Bernardo Majer: grandes histórias curtas em banda desenhada

13 agosto 2022 22:11

Sara Figueiredo Costa

Bernardo Majer

“Estes Dias” confirma o engano de nos focarmos apenas nos formatos de grande fôlego, reunindo seis histórias e um introito que compõem um livro de pleno direito

13 agosto 2022 22:11

Sara Figueiredo Costa

​As histórias curtas estarão para a banda desenhada como as curtas-metragens para o cinema. Muitas vezes, aí se encontram pérolas dignas da posteridade, mas os formatos mais extensos acabam por predominar no momento de considerarmos a importância de um autor. Bernardo Majer, que se estreou no formato longo com Toutinegra (argumento de André Oliveira), em 2019, tem nos registos breves um campo de trabalho particularmente fértil, algo demonstrado em publicações coletivas e agora confirmado neste volume em nome próprio.

“Estes Dias” confirma o engano de nos focarmos apenas nos formatos de grande fôlego, reunindo seis histórias e um introito que compõem um livro de pleno direito. Comecemos pelo introito, duas pranchas que suspendem o antes e o depois, focando-se apenas no que mostram: o tempo a passar, uma personagem deambulando pela cronologia e o verso de uma canção de Nico a lembrar que a roda dos dias não só não se repete como tende a esgotar-se, à imagem fiel da ampulheta. É esse o fio que une as seis histórias, todas com nome de meses do ano, convocando personagens tão díspares como a mulher que se envolve com um homem de intenções duvidosas, o rapaz que sofre com a separação dos pais e a partida do irmão, o jovem que arranja um emprego e se sente miserável nessa nova vida. O registo visual é heterogéneo, ainda que a linha clara seja predominante, criando em cada história um universo narrativo próprio que também se sustenta no traço, na cor ou nas texturas. E em cada um desses universos ecoa a banalidade do quotidiano, mas igualmente o abismo que pode assomar diariamente, os pensamentos desordenados que nos formam, a beleza irónica de vermos o tempo passar e oscilarmos entre o assombro das infinitas possibilidades e a certeza de um fim. Um livro à altura do desassossego intemporal e universal que nos estrutura, sem receio de perder o passo na brevidade das narrativas que o compõem. / Sara Figueiredo Costa