Exposições

Centenário de Iannis Xenakis na Gulbenkian: o místico e o ateu

16 dezembro 2022 20:37

João Lisboa, Jorge Calado

ulf andersen/getty images

A música física de Iannis Xenakis contém alguns dos momentos mais assombrosamente brutais do século XX. No centenário do nascimento do compositor, a Gulbenkian exalta as suas revoluções

16 dezembro 2022 20:37

João Lisboa, Jorge Calado

Após três anos de violenta ocupação militar pelas tropas alemãs — 7% da população dizimada e um país em ruínas —, a resistência grega que nunca se rendera e fora capaz de libertar dezenas de localidades e estabelecer aí um governo provisório, no final de 1944, iria ter uma amarga surpresa: o exército britânico, à entrada em Atenas aclamado como libertador pela multidão que, empunhando bandeiras gregas, americanas, inglesas e soviéticas, gritava “Viva Churchill! Viva Roosevelt! Viva Estaline!”, por indicação de Winston Churchill — receoso do poder do Partido Comunista e do Exército de Libertação Nacional após o final da guerra —, em aliança com forças pró-nazis, dedicar-se-ia ao extermínio das organizações antifascistas e ao apoio à estratégia de repor o rei da Grécia no poder. Na verdade, de acordo com a partilha da Europa do pós-guerra que fora decidida na Conferência de Moscovo de outubro de 1944, enquanto Estaline seria premiado com o domínio sobre a Roménia e a Bulgária, a Grécia incluir-se-ia na esfera de influência do Reino Unido. Mas isso não impediria que o país, apenas há semanas libertado do Reich hitleriano, mergulhasse numa sangrenta guerra civil.

A 1 de janeiro de 1945, um jovem estudante de engenharia (mas também de arquitetura, harmonia, contraponto e grego clássico), militante da juventude comunista e membro do ELAS (Exército Popular de Libertação), durante um combate de rua contra os tanques britânicos, em Atenas, seria atingido por um estilhaço de granada que o deixaria cego do olho esquerdo e com o rosto severamente desfigurado. Muito mais tarde, ele, Iannis Xenakis, confessaria que continuava, incansavelmente, a tentar reproduzir o som que escutara quando o estilhaço lhe explodira no rosto. Não seria o único exemplo de como a memória desses dias iria pairar sobre a sua música. “Imaginem uma grande multidão que se manifesta nas ruas”, dizia, “cantam palavras de ordem umas a seguir às outras. O ritmo perfeito da última irrompe num enorme aglomerado de gritos caóticos. De repente, o inimigo ataca, ouve-se o disparo de metralhadoras. Depois do inferno visual e sonoro, o que resta é uma calma trovejante, cheia de desespero, poeira e morte”. E, numa perspetiva mais ampla do que a exclusivamente sonora, falava também acerca do “fantástico espetáculo” proporcionado pelos ocupantes alemães quando, numa atmosfera carregada de ecos do silvo das balas e explosões, enormes holofotes militares iluminavam a noite, num aterrador light show.