Exposições

A força de um nome, a força de uma mulher: Aurélia de Souza

25 novembro 2022 13:41

Valdemar Cruz

Valdemar Cruz

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Jornalista

“Autorretrato” (c. 1900). A exposição “Vida e Segredo”, recém-inaugurada, prolonga-se até maio de 2023

A descoberta de dezenas de telas nunca vistas leva o Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, a lançar um novo olhar sobre a obra de Aurélia de Souza, falecida há 100 anos

25 novembro 2022 13:41

Valdemar Cruz

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Jornalista

Solteira. Sem filhos. Melancólica. Acantonada numa quinta do Porto com vista sobre o Douro. Leitora. “As Flores do Mal”, de Baudelaire, como livro de cabeceira. Burguesa. Atenta a abordagens feministas. Diversa. Dispersa. As memórias de vida aconchegadas num diário destruído a seu pedido, narra a lenda. Viveu Paris. Estudou em Paris. Regressou ao Porto e ao espaço da Quinta da China, em Campanhã. Nasceu em Valparaíso, no Chile, em junho de 1866. Morreu em maio de 1922 no Porto, onde vivia desde os 3 anos de idade. Venceu-a a doença. Tinha apenas 56 anos. Mulher e pintora num tempo agreste para assumir essa dupla condição fragilizada pelos preconceitos da época, dela impõe-se a força de um nome: Aurélia de Souza. E porventura nunca como nesta figura imortalizada por um autorretrato de rosto duro, impenetrável, moldado pelo abismo emanado do olhar e pela força impositiva de um casaco vermelho o nome constituirá a declinação das muitas narrativas contidas num universo na aparência fechado.

Há uma Aurélia presente num imaginário demasiado condicionado pela retratista capaz de exprimir o ser dos outros e de si própria, como se em cada pincelada fizesse desabar um manifesto, e há a outra Aurélia, a rompedora de fronteiras, protagonista de uma atitude tão nova quanto irreverente num contexto social marcado por uma visão redutora do papel das mulheres com veleidades artísticas. Excentricidades toleradas, se remetidas à representação de flores ou naturezas-mortas. A quarta de sete filhos de um casal endinheirado, com fortuna feita na América Latina, ousou a diferença num implícito combate contra a misoginia empenhada em mantê-la no redil. Pintou tudo. Pobres. Ricos. Paisagens. Negros. Crianças. Cenas da vida burguesa. Momentos de inspiração bíblica. Autorretratos. Ela própria como objeto e sujeito da pintura.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.