24 setembro 2022 18:53

As mãos habituaram-se a fazer todos os dias os mesmos gestos
Entre movimentos de expansão e concentração, a produção escultórica de Rui Matos sobrepõe a organicidade da arquitetura e a vocação do mito
24 setembro 2022 18:53
Uma curadoria servida por uma boa ideia e um olhar cirúrgico desvela muitas vezes o espírito imanente de uma obra para lá das suas formulações momentâneas, dando dela uma visão surpreendente. É isso que acontece com “A Sequência dos Dias”, reunião de obras de Rui Matos, escultor que só conhecíamos intermitentemente, mas cujo percurso remonta ao final dos anos 80. Trata-se de uma iniciativa da Fundação Carmona e Costa com curadoria de Manuel Costa Cabral que reúne, na SNBA, 34 obras, que cobrem exatamente o período dos últimos 34 anos de produção do escultor. Fazendo-se o circuito, que é aberto e não exatamente cronológico, descobre-se um autor em cujo trabalho se pode ler, mais do que influências, um conjunto de orientações constantes como a valorização da leveza e do ritmo; a sugestão de um certo paisagismo contaminado pela máquina e uma ética de disciplina formal e depuração que pode chegar de regiões mais minimais. Se todo o artista tem família, no caso de Rui Matos é, no entanto, um perene núcleo de problemáticas, que não redundam exatamente num estilo, o agregador da obra. A preocupação com as questões espaciais é um desses eixos, seja como pensamento sobre a tridimensionalidade e a sua fenomenologia, seja como uma operação que ora vinca ora procura uma indefinição entre a presença e o lugar que a alberga (pelo corte, o reflexo ou o atravessamento do olhar).
Por um lado, em algumas obras, assume-se uma espécie de espacialidade interna (o jogo dos seus elementos forma verdadeiras arquiteturas) numa lógica estrutural na qual o desenho ocupa um papel decisivo como nas esculturas-habitáculos em ferro, nas “mesas” de grandes proporções ou naquelas em que se mimam estruturas maquinais.