Exposições

Exposição: a ilha de Mónica de Miranda

12 setembro 2022 10:24

Celso Martins

“Mirages and Deep Time”, de Mónica de Miranda

As obras da luso-angolana Mónica de Miranda são espoletadas por fenómenos históricos situados em nós mal desatados das estruturas históricas coloniais. Uma exposição para ver em Lisboa, até dia 25

12 setembro 2022 10:24

Celso Martins

Com a frequência de um método, as obras da luso-angolana Mónica de Miranda são espoletadas por fenómenos históricos situados em nós mal desatados das estruturas históricas coloniais. “Mirages and Deep Time” não é exceção. O momento embrionário desta exposição, a partir do qual toda ela se expande, é o filme “A Ilha” inspirado na chamada “Ilha dos Pretos”, uma comunidade de origem africana que remonta ao século XVIII junto ao Sado perto de Alcácer do Sal, cuja origem é ainda hoje difícil de situar. A referência dá aqui lugar a uma narrativa filosófica alimentada por diálogos entre personagens que vagueiam e se cruzam enquanto ressuscitam memórias, mágoas e amores ou fabricam esperanças e desejos sobre uma paisagem insular que ganha um poder conotativo forte no filme.

A ilha é afinal o lugar que torna fértil o movimento do tempo com seus movimentos, retornos e transformações. E é dela, em grande medida, que irradia a exposição que a envolve. A fragmentação e, sobretudo, a desmultiplicação significante da imagem são preponderantes na interação dos vários elementos da exposição e na relação da imagem com as coisas tangíveis. Isso mesmo se surpreende, por exemplo, numa fotografia que se prolonga em fios de bordado; na vegetação que alastra do seu habitáculo em “Mirages”; ou no recorte de ilha na escultura-canteiro “No person is an Island”, que se espelha num dos desenhos a tinta da china. Neste cenário emergem personagens como as duas raparigas quase gémeas, um general, uma figura matriarcal que numa sequência fotográfica encarna diferentes tipos assinalados por chapéus. No final, a frase “Our bodies are older than the images or the words” funciona como coda para um conjunto onde o desvelamento histórico e a reconstituição ficcional convergem. / Celso Martins